quinta-feira, 15 de maio de 2008

Combate ao Racismo

Nos registros da história oficial do Brasil, na próxima terça-feira, 13 de maio, é dia de comemorar a Libertação dos Escravos. Para o Movimento Negro, contudo, a data é considerada o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Nesta edição, Algo Mais publica, com exclusividade, artigo da presidente do Instituto do Negro de Assis (Zimbauê), Mônica da Silva, sobre o assunto. Para ela, “negros e negras permanecem alijados de direitos sociais, vitimados pelo preconceito e pelo racismo”.

Dia Nacional de Luta Contra o Racismo


Mônica da Silva


Há exatamente 120 anos a Princesa Isabel declarou extinta a escravidão. Mas a pergunta que não quer calar é: Isto de fato ocorreu?
Penso que não. Pois, o Estado brasileiro nasceu sob o amparo do escravismo e não há riqueza nem bens acumulados neste país que não tenham, direta ou indiretamente, se beneficiado do trabalho e do sangue dos africanos escravizados e seus descendentes.
A grande contradição, contudo, é que a parcela de nossa população que mais trabalhou para engrandecer este país seja exatamente a parcela sob a qual recaem as piores mazelas de nossa sociedade.
O Movimento Negro vem denunciando as mais variadas práticas discriminatórias que violam os direitos elementares de cidadania desta metade da população brasileira: negros e negras.
A sociedade brasileira empurra este segmento da população para as piores condições de educação, de trabalho, de saúde, privação da terra, acesso à cultura, ao lazer, entre outras.
São muitos os estudos publicados sobre as condições da população negra no mercado de trabalho, realçando os lugares subalternos reservados aos negros e negras. Do mesmo modo, são vários os estudos que desmentem a tese de que o preconceito de classe é mais forte que o preconceito racial.
No texto “A mobilidade Social dos Negros Brasileiros”, o autor, Rafael Guerreiro Osório, afirma que estudos mais recentes comprovam que, ainda que se compararem brancos e negros de mesmo nível socioeconômico, persistem desigualdades entre eles inatribuivéis a outras fontes que não o racismo.
A ideologia racista leva à reprodução, na sucessão das gerações e ao longo do ciclo da vida individual, do confinamento dos negros aos escalões inferiores da estrutura social, por intermédio da discriminação de ordens distintas, explícitas, veladas ou institucionais.
Para exemplificar o quadro atual de mobilidade social revelado pelos estudos relatados, peguemos duas famílias, uma branca e uma negra, com exatamente a mesma condição social. Se ambas vêm de uma condição social inferior, o filho da família negra terá mais dificuldades de ascensão na estrutura social. Se estas famílias, por sua vez, pertencerem a um grupo social superior, é certo que o filho da família negra terá maior risco de descender na hierarquia social. Tal situação ocorrerá mesmo se esses dois filhos hipotéticos atingirem o mesmo nível educacional.
Refletir sobre os aspectos raciais da sociedade brasileira é uma tarefa permanente. Daí, a importância do 13 de maio como o Dia Nacional de Luta contra o Racismo. O Movimento Negro cresceu, alcançou conquistas e consolidou mudanças em nossa cultura de luta. A reivindicação do dia 13 de Maio como Dia Nacional de Luta contra o Racismo é uma dessas vitórias. Hoje, a idéia da consagração da Princesa Isabel como "libertadora" dos escravos soa como "piada de mau gosto".
Neste ano de 2008, o simbolismo é ainda maior. Serão completados 120 anos desde a oficialização do fim da escravidão. Entretanto, negros e negras permanecem alijados de direitos sociais, vitimadas pelo preconceito e pelo racismo.
Apesar de todas essas mazelas, permanecemos de pé, permanecemos em estado de ação, sonhador e com sede de protagonismo. Neste aniversário da "NÃO- LIBERDADE", nosso grito vai soar e de punhos cerrados seguiremos em luta.


Mônica da Silva é Presidente do Instituto do Negro (Zimbauê), uma das ONGs integrantes do Galpão Cultural.

Pra você

SUELY DA SILVA LIMA

Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém.
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
E ter paciência para que a vida faça o resto...

Shakespeare

Escrevo para você, que não me enxerga. Escrevo com o coração carregado de sentimentos confusos. Latentes. Doloridos. Marcantes. Escrevo, também, para aqueles que, como eu, sofrem e vivem por amor, a poesia paradoxal mais que perfeita já criada.
Escrevo para você, que tem em seu peito um sentimento deliciosamente cáustico. Você sabe que estou falando do pior e ao mesmo tempo mais gostoso amor: o amor não correspondido, ou melhor, o amor não revelado. Aquele que te queima de frio no calor escaldante. Aquele que te faz suar a zero grau. Aquele que te faz perder o sono, que tira sua concentração. Aquele que te faz esquecer de respirar, de comer, de viver. Aquele amor que torna os seus dias monocromáticos. Aquele desgraçado amor sem o qual você não pode viver. Aquele que dói no âmago, que te faz perder o pino, o centro, o rumo. Aquele que te faz rir de tristeza e chorar de alegria. Amor shakespeariano. Trágico. Impossível.
Amor torturante que mata e alimenta a alma. Neste amor tudo é uma expectativa: a espera, a chegada, a despedida, a troca de olhares, o aperto de mão. O simples ensaio de um sorriso soa como gargalhada aos ouvidos de quem ama. Amor, amor! Como viver sem? Como conviver com? Ser ou não ser correspondido? Essa é a questão! Amor louco, trágico, quase ilegal. É como se fossemos ladrões de sentimento, sempre à espreita, furtando momentos, olhares, gestos. Registrando clandestinamente, no coração, cada meneio de cabeça ou desvio de olhar. Cada aceno, cada desencontro.
Ah ! O amor, como diria o poeta ou profeta, não sei, é fogo que arde sem se ver. E como dói essa ferida! Aberta, exposta, sujeita às dores e às curas do mundo.
Amar, sofrer, nascer, morrer: onde começa um e termina outro?

Suely da Silva Lima é aluna de Jornalismo da Fema

Ah! Essa mulher...


JAQUELINE BUENO


Este é o mês daquelas mulheres faceiras, ousadas, corujas, faladas. Daquelas que acordam cedo e beijam a testa, que dizem bom dia e não cobram nada. De outras tantas que abraçam e rolam na grama, que faz o feijão cheirar lá da ponta.
São curandeiras, bagunceiras, empregadas, amadas. É gente e, principalmente, adorada e clemente.
Oh, minha mãe! Qual homenagem seria melhor para alguém que me suportou durante oito ou nove meses, para alguém que aturou meus choros para não ir ao banho e esperou acordada até a minha volta. Lembro-me dos telefonemas, dos conselhos e dos puxões de orelha.
Várias vezes sentamo-nos lado a lado para contar como tinha sido o nosso dia, mas você não conseguia ao menos dizer que tinha trabalhado bem. Só eu queria falar e você nunca negou escutar e sempre ansiou ouvir mais. Ou então, quando conseguia proferir umas únicas palavras, eu adormecia recostada no seu ombro.
Fui cruel, insensata e também incompreensível. Pensava que mãe era para fazer tudo, dar carinho, atenção, roupa lavada, comida farta e momentos de lazer. Reconheço meu erro, porque descobri que mãe é que merece tudo isso e um “eu te amo”, no mínimo, dez vezes ao dia.
Faz tempo que não nos vemos. Olho o nosso retrato naquele parque e lembro-me do último dia em que estivemos juntas, conversando sobre como era ser mãe e me dá uma sensação de nostalgia.
Só então, depois de sua partida, eu percebi que o aperto no peito não era somente pela sua falta, mas pela quantidade de sentimentos não demonstrados.
Adeus rainha, amiga, inigualável criatura humana. Jamais me esquecerei que um dia tive você. Mulher jubilosa, aventureira e minha mãe.

Jaqueline Bueno é aluna de Jornalismo da Fema

Amizade


MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA


Penso que o livro de Antoine de Saint-Exupéry “O PEQUENO PRÍNCIPE”, seja um tratado literal sobre a amizade. Essa obra universal narra à história de um aviador que cai no deserto do Sahara e conhece um Pequeno Príncipe de um minúsculo Planeta.
À parte do diálogo com a raposa a meu ver é a síntese de um tratado sobre amizade. A raposa aparece num lindo jardim florido. O menino a convida para brincar. A raposa exclama, não posso brincar com você, pois ainda não me cativou! E prossegue, ser cativado é ser único um para o outro. Para me cativar, você deve sempre chegar no horário combinado, pois, se forem chegar às quatro as três eu sinto animado e começo a preparar o meu coração para te receber, diz a raposa. É assim que esperamos nossos amigos e amigas, com o coração aberto para recebê-lo.
Num determinado momento da trama eles se despedem: O príncipe disse: Você quis que eu a cativasse, agora estou indo embora e você esta chateadas! Não achas que foi perda de tempo pergunta o principezinho? Não diz raposa, você me fez sentir muito importante. Alguns amigos e amigas nos cativam depois parte. É, mas depois de tudo isso agora me sinto responsável por você diz o menino. Isso é natural que aconteça enfatiza a raposa, “Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativas”. Para mim essa é a regra de ouro das amizades, a responsabilidade pelos nossos amigos e amigas é ponto de encontro de uma profunda e bela amizade. Eles encerram a cena com a raposa trazendo-lhe um presente, um segredo, entregando-o um papel escrito “Só se vê com clareza com o coração. O essencial é invisível para os olhos”, que a meu ver é o fio de ouro que deve perpassar todas as amizades, precisamos conhecer com o coração, ou seja, o interior das pessoas, pois o exterior é muito manipulável, fácil de camuflar, retocar, mas o interior é identidade de cada ser humano, e é algo muito pessoal.
Na verdade essa obra é um grito para dizer que o ser humano não tem tempo para conhecer o outro, sempre empenhado nos seus afazeres, nós encontramos tudo pronto, compramos desde feijão cozido a trabalho pela internet, mas como diz Saint-Exupéry. “Como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos”, e conseqüentemente boas amizades, pois para ser e ter um grande amigo é preciso cativar e, CATIVAR É AMAR. Sabe por que é difícil exercitar a arte do amor? Porque nos tornamos totalmente responsáveis por aqueles e aquelas que cativamos.
Sugeri a meus amigos e amigas que lessem à obra “O Pequeno Príncipe” ou ao menos assistissem ao filme. Embora não precisem, pois já me senti cativado por eles e elas, e sinto-me responsável pelos mesmos e percebo que a reciprocidade é a mesma. Não poderia terminar esse artigo sem citar os nomes dos meus amigos Rafael, Diego, Edi ... e amigas Amanda, Rosangela, Liziane, Ana Paula e minha namorada e amiga Roseli ....
Precisamos resgatar e valorizar as sinceras e profundas amizades. Por que “Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativas”.


Márcio Alexandre da Silva é formado em Filosofia.

Relicários e ourives do tempo

ALINE GIANAZZI

"Nada consigo fazer.
Quando a saudade aperta.
Foge-me a inspiração.
Sinto a alma deserta.
Um vazio se faz em meu peito.
E de fato eu sinto.
Em meu peito um vazio(...).
E com o tempo.
Essa imensa saudade que sinto.
Se esvai".

Peito vazio. Cartola

Tenho cinco anos. Meus cabelos ainda são loiros. O horário é por volta do meio-dia. Minha mãe me deixa na casa azul e branca, da rua Benedito Spinardi. Sou uma criança tão elétrica que nenhuma babá quer ficar comigo. O encargo, então, foi passado pra alguém que tivesse toda a paciência do mundo e que de quebra me amasse: dona Anita Gianazzi, minha vó.
Estamos só nós duas na cozinha. Eu estou sentada em uma cadeira ao lado da pia enquanto ela termina de lavar a louça. Depois de tudo terminado, ela me convida pra uma soneca. Com muita má vontade, aceito. Primeiro, deito na cama de solteiro da minha tia. Depois, tento acordá-la colocando o braço da minha boneca na hélice do ventilador. Ela continua com os olhos fechados. Então, pulo para sua cama, tento enlaçar sua barriga, mas meus braços são curtos demais. Subo um pouco, chego perto da sua nuca e respiro fundo o cheiro dos seus cabelos compridos e brancos. Meus lábios tocam o seu ouvido e eu pergunto baixinho: "vovó, a senhora está dormindo?", ela não abre os olhos, mas com minha mãozinha em sua barriga eu sinto que está rindo. De repente, se vira pra mim, cola sua testa na minha e olha fundo nos meus olhos. Beija-me muito. Eram muitos daqueles beijos gostosos. Durmo abraçada ao seu braço, tão molinho da idade.
Tenho 16 anos e estou na casa azul e branca novamente. Dessa vez, quem cuida sou eu. Deito no sofá da sala de estar, com a cabeça em seu colo. Sinto sua mão, que mesmo tendo trabalhado tanto é de uma maciez incomparável, se perder nos meus cabelos, agora castanhos. Conversamos. Em algum momento, como num passe de mágica, ela dobra nossa vida e nos transporta pra algum lugar do passado. Como em um cinema, vejo meu bisavô desbravar matas para o plantio, vejo a própria Ana, lavando roupa na mina, ajudando sua mãe a cuidar das tantas outras crianças que nasceram depois dela. Vejo meu avô, José, apitando um jogo de futebol, a chegada em Assis com meu tio Nino nos braços. Ela me leva a assistir suas memórias, me faz reviver aquilo que causava saudade e dor e me faz conhecer um pouco da minha história e de mim mesma.
Tenho 17 anos. Vovó está sentada na minha cama, olhando no computador as fotos que nós tiramos do seu jardim. Ela diz que pra ela não há nada de mais bonito. É ano novo. Estamos todos comemorando, e eu pergunto "vó, quem é a sua neta mais bonita", ela cochicha nos meus ouvidos "você", "e quem é a neta que a senhora mais ama?", ela abre o sorriso maior do mundo, e repete "você".
Tenho 19 anos, e o tempo é o agora. Estou sentada na sala de tv da casa azul e branca, olhando vovó enquanto ela cochila. Já estava trocando o dia pela noite. Quando seu pescoço cai, ela acorda. Olha pros meus olhos assustados e ri. "Ah, minha branquela, é você que está aí", e me puxa pra um beijo.
A morte é tão recente que parece mentira. A dor me fez descobrir que sou sim, deveras egoísta. Não é só o meu amor por ela que a distância transforma em sofrimento, mas o amor que ela dedicou a mim. Foi pouco tempo, vovó. 19 anos é pouco pra experiência maravilhosa que era viver com a senhora. Confesso que queria mais. Mais dos seus beijos, dos seus abraços, do cheiro dos seus cabelos, das nossas conversas... Só espero que o sofrimento seja pra mim o que foi pra senhora: um ourives. E que um dia, quem sabe, eu me torne uma jóia quase tão preciosa quanto a senhora foi.

Aline Gianazzi é aluna de Jornalismo da Fema

Terra e Céus


LÍVIA PELLEGRINI
O mundo todo embalando-te. Movimento sobre trilhos, sob a noite. O chão, nos teus olhos, dá a luz. Estação: ASSIS cidade maldita*. Esfumaçando lembranças vens. Mala gasta guarda a correspondência. Fostes enviado pelo remetente. Prazo máximo: o crepúsculo. Avenida Rui Barbosa café no Bar do Raul. Teus passos à beira da praça da Catedral: grupo amador encena “V.O. Samba e Fé”. Convite ao caminho que não chegou ao fim. Praça da Bandeira - a Marechal Mercado Municipal. Encontras: Café Alvorada. No balcão, o destinatário. Olhar antigo, abarca-dor lê a carta.............e consente: a maldição acabou. Pés descalços, dança profana, olhos nos teus: largueza em só ser. O vermelho-rosa-lilás desnuda a lua, apito ecoando, mala-do-lado-esquerdo. O trem que chega é o mesmo trem da partida, coração marcado, vontade de chorar.

*referência à composição de Ruy Sousa Dias e Titas.

Lívia Pellegrini é arte-educadora e psicodramatista

Tributo ao Helinho

CARLOS HERNANDES

nasceu de familia humilde
numa cidade pequena
por ser o menor da estirpe
dele todos tinham pena
mas o menino foi firme
e transformou aquela cena

desde cedo se mostrou
um rapaz inconformado
e logo já se juntou
aos menos afortunados
assim sendo ombreou
tendo os pobres ao seu lado

com jeito de vencedor
estudou, virou bancario
nunca quis ser um doutor
fez seu próprio itinerário
para esse lutador
trabalho nunca foi páreo
mas para aquele que luta
a vida sempre sorri
usando da força bruta
diz “valeu o que sofri”
hoje, vencida a labuta
é venerado em maracaí

do destino traiçoeiro
o jovem fez o que quis
aquele ex-jardineiro
hoje é um homem feliz
tem uma mulher tão bela
que até parece uma atriz

com muita sabedoria
mas tambem muito recato
é o rei da alegria
não se nega, é um fato
dia e noite, noite e dia
ele vive o sindicato

quarta-feira, 23 de abril de 2008

"Um país se faz com homens e livros"


Nesta semana que antecede o Dia Mundial do Livro, 23 abril, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil celebra o Dia Nacional do Livro Infantil, ocorrido ontem, 18 de abril. A data foi escolhida para homenagear o nascimento do escritor Monteiro Lobato. Advogado, o que Lobato gostava mesmo era de desenhar e escrever contos. Em 1920, publicou seu primeiro sucesso: A Menina do Narizinho Arrebitado. Daí em diante dedicou-se á literatura infanto-juvenil e á criação de personagens. Resgatou do folclore brasileiro lendas como o Saci-Pererê, o Curupira, o Boitatá e a Cuca, introduzindo-os nos episódios do Sítio do Picapau Amarelo. Também criou figuras que ficaram famosas: a boneca Emília, feita de pano; o Visconde de Sabugosa, um sábio nascido de um sabugo de milho; o Marquês de Rabicó, um nobre porco robusto; e tantos outros.

Ler os clássicos?

ANTONIO RIBEIRO DE ALMEIDA
Há tempos, quando estive em Belo Horizonte, encontrei um velho colega da UFMG que dedicou sua vida ao ensino da Literatura. Batemos um bom papo na Praça 7 e ele revelou-se desolado com o rumo que a juventude mineira tomou em relação à leitura e estudo dos clássicos. Contou-me, como se fosse um grande segredo, que numa pesquisa feita na Universidade Federal de Minas Gerais e na qual se pedia a uma turma de vestibulandos que citassem autores considerados clássicos e respectivas obras, mais de 60% indicaram os livros de aventuras do bruxo Harry Potter e do Paulo Coelho. Somente 5% indicaram Machado de Assis e José de Alencar. Relembrou ainda, com um ar mais triste, que aquele antigo provérbio de que “mineiro sabe duas coisas bem : solfejar e latim” não podíamos mais proverbiar. Procurei consolá-lo e dizer que o avanço dos bárbaros era geral em todo Brasil e que eles dominavam meia dúzia de palavras que usavam em todas circunstancias como “tipo assim”. Em São Paulo a situação não é muito diferente e que mais do que em Minas, dominam, nas livrarias, os famosos livros de auto-ajuda que ajudam mesmo os donos de livrarias e as editoras que publicam estes livros. Antes de despedirmos fez questão de me levar a uma livraria e me presentear com um livro raro “Momentos de Minas”, repleto de fotos das nossas montanhas e de provérbios, com uma singela dedicatória: “Ribeiro, para você não esquecer que pertence às Minas Gerais”. Tendo deixado Minas há mais de 36 anos para lecionar, primeiro em Assis e depois em Ribeirão Preto, fiquei a matutar como certos laços não se cortam e como a mineiridade continua tão forte dentro de mim que já me julgava um paulista. Matutando sobre o problema da leitura dos clássicos escrevi este artigo, primeiro, em homenagem ao velho colega e depois na esperança que ele motive um jovem ou um adulto a ler ou reler um clássico da nossa literatura. Embora seja pretensioso ao indicar alguns clássicos da literatura eu definirei o termo numa consulta ao Houaiss. O nosso dicionarista escreve que o conceito de “classicus scriptor” (escritor clássico) foi usado no século II d.C pelo gramático Aulo Gélio. Ele se referia aos grandes escritores da Grécia e de Roma. Eram clássicos Homero, com a sua Ilíada, Hesíodo no texto “Os trabalhos e os dias”, Ésquilo o poeta trágico e em Roma o grande Cícero e Júlio César. Quando fiz meu ginásio, bem antes da reforma americana do nosso ensino, no famoso Ponto IV, cheguei a ter o Latim como disciplina e nosso livro de VanDick Londres da Nóbrega trazia textos de César e de Cícero para que traduzíssemos.
O conceito de clássico, num primeiro momento, volta-se para a Antiguidade Greco-Latina. Mas os Renascimentos Italiano, Espanhol e Português nos legaram vários clássicos. Dante Alighieri, com sua “Divina Comédia” da qual existe excelente tradução de Cristiano Martins é um clássico. Da Espanha vem Miguel de Cervantes Saavedra com o seu “Dom Quixote de La Mancha”, e, de Portugal o nosso Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Dante e Cervantes estão traduzidos para a nossa língua. A leitura de Camões não é nada fácil para os jovens de hoje devido a desculturação que invadiu nosso povo e que tem prejudicado profundamente a formação de uma identidade nacional. Fala-se mal o português e escreve-se também com severa deficiência lingüística. Não quero, contudo, desanimar ninguém. A título de exemplo a leitura de “Os Lusíadas” deve ser feita inicialmente nos resumos, em prosa, dos Cantos. Desta forma o leitor intera-se do “enredo” e tendo ao lado um bom dicionário da nossa língua deverá de cada canto, anotar as palavras cujo significado desconhece. Uma segunda leitura será feita com o domínio dos significados e a beleza e o ritmo dos versos penetrarão fundo na alma do leitor. Mas se não gostar de ler poemas fica a sugestão de leitura e releitura do incomparável Eça de Queirós, do Júlio Dinis, do Almeida Garret, e, modernamente, os contos do Miguel Torga. Quem não tiver esta disposição deverá começar a ler os clássicos do Brasil, e, neste caso, a leitura de Machado de Assis (1839-1908) é indispensável. A editora Globo publicou em 1997 as “Obras Completas de Machado de Assis” que qualquer biblioteca pública deve ter. Neste caso o leitor pode começar por “Dom Casmurro” ou “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Se ele ler estes dois romances não deixará de ler todo o Machado. Atualmente sugiro a leitura dos romances de Josué Montello, do Heitor Cony, da Lygia Fagundes Telles e do mineiro Pedro Nava. Por que devemos ler os clássicos ? Existem muitas respostas. A minha é para que continuemos fiéis à nossa origem greco-latina-portuguesa e para que dominemos um pouco melhor nossa linguagem. Quem ler os clássicos ganhará, internamente, um ritmo e uma beleza no que escrever que encantarão a todos. Como escreveu Ítalo Calvino “Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”.

Antonio Ribeiro de Almeida é Doutor em Psicologia Social


Fomento e Autogestão


ADALBERTO SABINO
Hoje em dia é muito comum o uso da palavra FOMENTO, muitos setores como o da economia utilizam esta palavra, assim como o terceiro setor. Entendo que FOMENTAR, é agregar, juntar, tornar mais forte, promover, estimular. A cada dia se torna inviável trabalharmos o fomento se não trabalhamos junto a nossa clientela a autogestão, que acabou se tornando sinônimo de trabalho coletivo, assim como na Economia Solidária, estes termos são muito utilizados.
No Estado e na região temos muitos exemplos de entidade não governamentais e governamentais que apóiam e trabalham com os artesãos, dando a eles estimulo a autogestão. Uma delas é a Sutaco Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades, sua Superintendência está alocada na Secretaria Estadual do Trabalho e Emprego. Esta estimula o artesão através da aquisição de carteirinha, dando uma identidade para o trabalhador ou artista desta área. A Sutaco promove convenio com os municípios e estes através de agentes treinados executam esta tarefa. No município de Assis, está a cargo da FAC. Os artesãos de outras localidades poderão procurar também a prefeitura de seu município que eles dirão onde poderão adquirir a carteira do artesão, sendo que cada município tem um convênio com a superintendência para este fim.
A Economia Solidária é hoje o movimento que agrega o maior numero de entidades autogestionária. Muitos podem se perguntar, o que vem a ser “Economia Solidária?”
Economia Solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do ser humano - e não do capital - de base associativista e cooperativista, voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços, de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Assim, nesta economia, o trabalho se transforma num meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista.
Em Assis, temos várias entidades do terceiro setor que trabalham de forma autogestionária, assim como a Cooperativa de Catores de Material Reciclado, a ASA Associação dos Artesãos de Assis “Nilza Alves de Andrade”, dentre outras.
A autogestão é hoje uma resposta ao desemprego de está presente não só no Brasil, mas em muitos países. Gerar renda através do trabalho coletivo, é sua principal função.

Adalberto Sabino é Presidente do Ideste e Vice Presidente da ASA

Por que fechar a torneira

THAIS CORREA DAVANSO
A falta de água tem sido um dos maiores problemas a serem discutidos na atualidade. As pessoas não têm noção do quanto esse assunto é importante e perigoso e sem o mínimo senso de amor aos seus próprios filhos e netos. Desperdiçam água à toa, pois acham que ela nunca vai acabar.
O que mais incomoda é que, apesar dos jornais anunciarem o problema e de ser um fato que enfrentamos diariamente, as pessoas fingem não ver. Todo dia vejo o meu vizinho lavar o seu carro e o seu quintal e fico indignada! Outro dia fui falar com ele a respeito e sabe o que ele disse? Que o problema era dele era ele quem pagava a conta no final do mês também.
Acontece que eu não estava falando de conta e nem de dinheiro. Estava falando da existência humana que vai extinguir-se daqui há poucos anos, mas ninguém entende. A maioria das pessoas pensa assim: “Se ele não economiza, porque eu vou economizar?”.
E assim a água vai escorrendo. Aquela que era abundante e agora quase escassa. Aquela que um dia foi limpa e por nossa causa está suja nos bueiros e rios. Com ela vai escorrendo a vida inocente dos que ainda vão nascer!

Thais Correa Davanso é aluna da 8ª série da Escola Carolina Francini Burali, em Assis

O presente de Lobato: fantasia embrulhada em páginas de livros


MARIANA DE GÊNOVA MANFIO
O livro é um objeto misterioso. Nele cabem histórias trágicas, emocionantes, tristes, cômicas... tudo em simples, mas mágicas, folhas de papel com letrinhas impressas à tinta. Podemos dizer que o livro traz poder, libertação, porque traz o conhecimento e a possibilidade de amadurecer idéias ou mesmo transformá-las.
É por este viés que Monteiro Lobato aposta nos textos infantis, com o intuito de formar crianças críticas, independentes e conscientes de seu papel em sociedade.
O escritor de Reinações de Narizinho afirmou, em carta, que "Assim como é de cedo que se torce o pepino, também é trabalhando a criança que se consegue boa safra de adultos." Nesse sentido, o livro infantil ganha espaço especial na tarefa de melhorar o futuro de um povo.
Em suas obras infantis, Lobato procurava tratar de assuntos sérios, considerados “assuntos de adulto”, como a burocracia estatal (Caçadas de Pedrinho, 1933), a ineficiência da instituição escolar (Emília no País da Gramática,1934), advogando o rompimento com padrões e normas inculcados pela escola e pela religião católica (A Chave do Tamanho, 1942). Porém, não discutia tais temas de maneira “científica”, “adulta”, mesclava-os a muitas doses de fantasia e imaginação, uma forma de amenizar os temas econômicos, políticos e polêmicos, através do elemento mágico.
Fantasia é a base da construção de suas histórias. Assim como Branca de Neve ressuscita a partir do beijo do príncipe encantado ou o caçador resgata chapeuzinho vermelho e sua avó, vivas, da barriga do lobo, Narizinho não se afoga no Reino das Águas Claras, e o pó-de-pirlimpimpim transporta seus usuários através do tempo e do espaço.
Lobato defende este mundo “exclusivamente infantil” em suas obras, argumentando, através de Narizinho, que “...se as coisas do Mundo da Fábula não existem, então também não existem nem Deus, nem a Justiça, nem a Bondade, nem a Civilização nem todas as coisas abstratas.”
Essa defesa de que o maravilhoso é real e existe também aparece na correspondência entre Lobato e seus leitores infantis. Algumas cartas ganham ingredientes de ficção; o escritor manda recados de Emília, Narizinho, Pedrinho e toda a turma do Sítio de Picapau Amarelo, quando responde a carta de seus leitores; cria histórias; tenta convencer as crianças de que o sítio de Picapau Amarelo existe.
Em uma das cartas, uma criança escreve que achava graça nos livros de Lobato, e que agora reflete profundamente sobre o que ele diz. Comenta ainda que no faz-de-conta não há absurdo e sim liberdade; como se o ser humano, através do faz-de-conta, desejasse ser livre no pensamento.
É por meio de cartas como esta que se observa como o livro tem caráter libertador. É ambiente propício e adequado para se aprender, se desenvolver, imaginar, criar, sonhar. Por isso, nenhum sítio fisicamente real poderia expressar os sentimentos que as aventuras descritas nos livros de Lobato despertam nos leitores. Se descobrissem a localização do Picapau Amarelo e por lá todos fizessem um passeio, as imagens construídas pelo trabalho minucioso de Lobato na memória e na imaginação dos leitores se dissolveriam, já que o que há de mais sublime na leitura de um livro é o fato de que cada leitor atribui um sentido único, particular, carregado de vivências e emoções que cada um experimentou ao longo da vida.
A necessidade que a fantasia tem em nossa vida ultrapassa a questão da idade, é algo essencial para a sobrevivência do ser humano. Assim, diante de tão importante função, devemos concordar com Lobato quando propõe em uma de suas obras que “O Mundo das Maravilhas é velhíssimo. Começou a existir quando nasceu a primeira criança e há de existir enquanto houver um velho sobre a terra.”

Mariana de Gênova Manfio é moradora de Cândido Mota e Mestre em Teoria e História Literária (Unicamp)


Monteiro Lobato polêmico nos jornais


WENDER URIAS DA CRUZ

O reconhecimento atingido por Lobato como grande expoente da literatura infantil não pode minimizar sua participação em outras áreas. Seja como autor de contos ou cronista, o criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo teve uma vida relacionada a diversas polêmicas. Envolvendo-se em causas políticas, em prol da liberdade de expressão, nacionalização do petróleo, modernização do parque editorial, conflitos literários e de movimentos estéticos. Mas esse conjunto de embates ocorreu desde o surgimento de Lobato na intelectualidade brasileira. A porta de entrada do autor como referência intelectual foi os jornais.
Descendente da oligarquia cafeeira, Lobato bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais e trabalhou como promotor público na Comarca de Areias até assumir os patrimônios da família após a morte do avô. Depois da tentativa de modernizar a antiga fazenda, Monteiro Lobato abandona a cultura agrícola em busca da profissionalização intelectual, tornando-se articulista do “O Estado de S. Paulo” e posteriormente editor da “Revista do Brasil”.
O estabelecimento de Lobato como editor-proprietário de uma grande revista literária de alcance nacional, articulista e crítico de arte num jornal de expressão como “O Estado de S. Paulo” só efetivou-se após a publicação de dois artigos neste mesmo jornal, em fins de 1914. Os textos denominados “Uma Velha Praga” e “Urupês” apresentam uma concepção crítica e feroz sobre o homem do campo.

O caboclo romantizado por vários escritores torna-se paulatinamente a representação do legítimo brasileiro. Pela elite paulista o “caboclo” começa a ser dimensionado como herdeiro dos “bandeirantes” e o motivo congênito do vigor econômico e político do paulista. Foi essa representação heróica que Lobato combateu em seus dois artigos que marcaram sua estréia no cenário intelectual nacional.
Apesar de “Uma Velha Praga” dar notoriedade a Lobato, sendo publicado em mais de 60 jornais e revistas da época, este não foi seu primeiro texto em periódicos, pois o escritor teve significativa produção de crônicas e artigos anteriores à 1914. Essa produção foi publicada em semanários de menor circulação como jornais universitários e de pequenas cidades utilizando pseudônimos ou mantendo o anonimato. Desses jornais destacamos: “Minarete” e “A Lua”. Lobato também foi colaborador de periódicos maiores, sendo articulista da “Tribuna de Santos”, “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro e em 1909 participou na “Fon-Fon” com desenhos e caricaturas e no “Estado de S. Paulo” com traduções do “Weekly Times” (jornal inglês).
Mesmo conhecendo vários proprietários de jornais e contribuindo freqüentemente com seus textos em jornais de menor tiragem, Lobato envia seu artigo “Uma Velha Praga” para “O Estado de S. Paulo”. Periódico de ampla circulação, considerado pela elite oligárquica da época como “liberal” e o principal núcleo nacionalista de São Paulo. Ainda que enviado para a seção de “Reclamações” o artigo foi publicado no interior do jornal, recebendo com isso maior visibilidade.
É importante salientar que a escolha do “Estado de S. Paulo” é proposital, pois Lobato almejava entrar no espaço da elite intelectual em grande estilo e com repercussão nacional, como ele mesmo escreveu em cartas: “Ou dou um dia coisa que preste, que esborrache o indígena, ou não dou coisa nenhuma”. Assim como: “Ou entro e racho, ou não entro nunca. A coisa há de cair na taba como um bólide”.
O impacto ocasionado por “Uma Velha Praga” e “Urupês” no meio intelectual e político notabilizou seu autor, dando-lhe credibilidade para apresentar-se como referência no debate de temas nacionais. Nestes artigos, principalmente “Urupês”, consolida-se a representação do Jeca Tatu, um anti-herói da literatura cabocla, que até então pintava o homem rural com ares ingênuos e nobres. Para ocasionar tamanho alvoroço Lobato utilizou da sátira como recurso lingüístico e literário. O riso e a ironia são instrumentos de depreciação do campesino.

A derrisão é um recurso utilizado recorrentemente por Lobato. Ao escrever suas críticas às exposições artísticas e produções literárias, Lobato apresenta uma linguagem feroz e repleta de recursos satíricos e irônicos para atacar os movimentos estéticos denominados de românticos, assim como o modernismo incipiente, uma demonstração disso é a polêmica criada com a vernissage de Anita Malfatti.
Foi como articulista polêmico e escritor de esmero que Monteiro Lobato ficou conhecido nos jornais de sua época. É como ícone da literatura infantil brasileira que é relembrado hoje. Múltiplas faces de um escritor profícuo e instigante, mesmo decorrido 60 anos de sua morte.

Wender Urias da Cruz, formado em história e psicologia, integrante da Circus e do Teatro Fabrincantes.

Esse Céu

LÍVIA PELLEGRINI

Um rastro dourado reflete um sonho âmbar
E deita-se sobre a cidade inteira,
Exalando o doce delírio repentino e eterno
De passos juvenis em noites brancas...

Atônito, o corpo retumbante
Suaviza as circunstâncias urbanas e
Comunga com os passantes
o gosto azul da tarde insone.

Augúrios e profanações
Seu silêncio ultrapassou aquele admirado
Sobrou-lhe o grito rasgado e o olhar contemplativo
A perdição e seus suplícios...

À margem.

O incauto e a sola gasta
Um céu de chumbo sobre nossas cabeças
E o descompasso
surpreendendo as tomadas de decisão

Cisão.

Abre-se a alameda em brancos lírios
Chão rasgado de lamúrias.

Na contramão,
musas emergem do centro do mundo
e dançam sob a réplica da vitória.

Atavismo & Luxúria.

Os sacis

IGOR MIRAZ DE SOUZA DIAS


Igor Miraz de Souza Dias tem 6 anos, morador da Vila Rodrigues e aluno do Pré II do Colégio Ipê, em Assis.

O Presidente Negro, de Monteiro Lobato

O Choque das raças foi publicado em 1926, em vinte partes, no jornal A Manhã, onde Lobato era colaborador, e no final desse mesmo ano lançado em livro. Duas décadas mais tarde seria reeditado com o título de O Presidente Negro ou O choque das raças (romance americano do ano 2228). Em 1948, quando a Brasiliense editou as obras completas, juntou os dois num só volume. Lobato escreveu O Choque pensando em lançá-lo nos Estados Unidos, porém lá acharam que era conflitivo. É seu primeiro e único romance. O que mais chama a atenção no livro é a capacidade de Lobato desvendar o futuro. Ele mesmo diria mais tarde que os Estados Unidos que ele descreveu no livro são os Estados Unidos que ele depois ficou conhecendo. Em A Onda Verde, descreve o papel do “grilo” na ocupação territorial de São Paulo e sua indignação com o Homo sapiens por seus crimes sociais e ecológicos, lançando um apelo a todos os animais: "Animais todos da terra, uni-vos...”

A peleja, de Ana Maria Machado


Ana Maria Machado dedica este livro à arte popular. As ilustrações são feitas a partir de esculturas feitas de barro; história fantasiosa sobre os feitos do Zé Ribamar, que enfrentou o Monstro para ficar com a donzela bonita. Principal escritora de livros infantis em atividade, Ana Maria Machado ganhou, em 2000, o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o prêmio Nobel da literatura infantil mundial. E em 2001, a Academia Brasileira de Letras lhe deu o maior prêmio literário nacional, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra.

Para Navegar Mais













Ana Maria Machado
www.anamariamachado.com

terça-feira, 15 de abril de 2008

Catadores Caipiras


O filme Catadores Caipiras é um vídeo-documentário sobre a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (Coocassis). Produzido e dirigido pelo argentino Alex Portugheis, comunicador popular e estudante de Antropologia, o filme será exibido na próxima sexta-feira, dia 18, às 19h, no Galpão Cultural, seguido de um debate sobre o tema.
Leia nesta edição de Algo Mais dois artigos exclusivos sobre o filme: um do próprio diretor, que escreve sobre o rompimento das fronteiras, e outro do presidente da Coocassis, Claudineis de Oliveira, que descreve a estranheza inicial no trato com o estrangeiro.

Argentino lança filme sobre Coocassis

EDINEI JOÃO GARCIA
A presença de Alex Portugheis em Assis não é passageira, é estrangeira.... Com o intuito de aproximar fronteiras, Alex chegou em Assis pela primeira vez em janeiro de 2007, a convite da organização não-governamental Circuito de Interação de Redes Sociais (Circus). A sua vinda tinha uma finalidade bem específica: registrar a organização dos catadores de materiais recicláveis que integram a COOCASSIS.
Este estudante de antropologia da Universidade de Buenos Aires, tem um trabalho peculiar em educação popular. Ao produzir o vídeo documentário da Coocassis como uma vídeo-ferramenta, a relação, os vínculos que criaram Alex e o grupo da Coocassis romperam as fronteiras culturais, da realidade social, da língua, produzindo uma série de conteúdos novos, que só o olhar estrangeiro poderia encontrar.
Assim Alex volta para Coocassis neste ano de 2008, e agora como oficineiro de comunicação popular, partindo da exibição do documentário para potencializar a comunicação dos catadores com a sociedade civil, Estado e empresas. Com isso, o documentário assume a função de instrumentos de educação popular, pois é utilizado para produzir conteúdos dos catadores, consolidando uma unidade discursiva do grupo da Coocassis.
Temos como objetivo ainda para este ano de 2008, efetivar um circuito de difusão do documentário “Os Catadores Caipiras” na cidade de Buenos Aires e suas províncias. Aí sim o documentário realizará a comunicação entre catadores de Brasil e Argentina. Ao passo que no Brasil, na região de Assis, o desafio é vender Cópias de DVDs com as 2 versões (português e castelhano). A comercialização dos DVDs é fundamental para trabalharmos com sustentabilidade, pois as despesas para produzir “Os Catadores Caipiras” foram assumidas por Alex (2007) e agora em 2008 as despesas estão por conta do Fundo Comum Circus/Coocassis/Incop-Unesp). Este fundo, que é solidário, fomenta algumas ações que tenham o propósito de produzir material didático, conteúdos para formação, algumas capacitações; mas não é financiamento a fundo perdido, portanto, os gastos realizados agora serão repostos com a vendas do DVDs.

Edinei João Garcia é membro da Organização não-governamental Circuito de Interação de Redes Sociais (Circus)

Fronteras, miradas y nuevos desafios...

ALEX PORTUGHEIS
Cuando los exploradores emprenden sus nuevos viajes, los bordes, que demarcan territorios, se disipan. Juran que Latinoamerica fue descubierta hace cinco centurias, pero aquellos que abren grande los ojos y las orejas, nunca dejan de sorprenderse. Las fronteras yacen bajo nuestros pies, retando nuestros pasos. Brasil o Argentina, Maradona o Pele, se pierden en un laberinto de ilusiones. La materia nos invita a volverla a observar, a volverla a nombrar. Cuando llegué a esta ciudad por primera vez, brilló en mi mente, una región que solo representaba un vacío en un mapa político internacional. Fui invitado, para observar y expresar con mi cámara, pero tras 12 horas de grabación y otras tantas de edición, sentía que yo mismo estaba siendo transformado. Los compañeros de Coocassis tienen esa virtud, su forma de batallar la vida, en este mato corroído por estradas, nos comunican que es posible transmutar la herencia de la eterna explotación, en Dignidad. Pero en esta vuelta, después de un año, esa afirmación se me expande en mi cerebro. Hace un tiempo, las conquistas de exceder el salario mínimo parecían fantásticas novelas. Hoy, los compañeros de Coocassis, junto con otras cooperativas hermanas del oeste paulista, no solo quieren transformar las formas de vida, de los catadores, sino que además piensan en construir estilos de vida y sociedad mas sustentables en estos tiempos de cataclismos. En otros confines de este maravilloso continente, sabrán que en Assis, una ciudad del oeste Paulista, existe muchos guerreros, que silenciosamente están transformando Brasil y Latinoamerica.

No documentário, o catador é o agente de comunicação

CLAUDINEIS DE OLIVEIRA
No começo ninguém acreditava na capacidade. Achamos até que ia sumir com o material filmado. A idéia era muito estranha. A proposta dele tinha um sistema novo, um jeito diferente de trabalho.... que deixa a coisa rolar. Não tinha cena montada, ele foi se envolvendo com todos os cooperados, conhecendo cada operação da Coocassis. Chegava no pessoal com um caderninho na mão, uma fala enrolada, na simplicidade: ei hirmão. E de poquito em poquito foi conquistando confiança e intimidade com a turma.
O contato com uma língua diferente, coisa que não temos muito no oeste paulista, vai provocando na gente outras formas de comunicação, agente vai construindo uma comunicação no dia a dia mesmo, com palavras e com o corpo.
É aquela coisa. Um cara que vem de longe para conhecer movimentos sociais, é porque esta envolvido com as organizações populares.
A presença de Alex quebrou também alguns estigmas. Neste caso, o de pensar que a Argentina é como país de primeiro mundo. Quando discubrimos que lá também tem catador e em um estágio menos avançado de organização, ficamos surpresos e também entusiasmados com a possibilidade de enviar imagens da Coocassis para que os catadores tenham novos horizontes quanto ao futuro da categoria. E como diz o argentino, não “essisten fronteiras hirmão.... estamos todos no mesmo time latino-américa”.
O documentário Os Catadores Caipiras ficou pronto em fevereiro de 2008, quase um ano depois. Mas atingiu o objetivo. Revela a realidade do catador. No documentário, o catador é o agente de comunicação. É o catador quem fala de sua rotina e suas lutas.
Agora, Alex está realizando uma oficina de comunicação popular com agentes da diretoria da Coocassis. Planejando a difusão de Os Catadores Caipiras, produzindo conteúdos para o encarte, produzindo conteúdos para utilizar a vídeo-ferramenta como instrumento de formação para os novos cooperados.
Esta oficina esta indo bem. Estamos alavancando conteúdos. Mapeando frase por frase, os conceitos que queremos trabalhar, e encaixando as frases individuais, como quebra-cabeças, produzimos um texto coletivo. Desse jeito ele não tira a fala do catador, não modifica a palavra usada pelo catador.

Claudineis de Oliveira é Diretor Presidente da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (Coocassis).


Transvendo o trem caipira

PRISCILA MIRAZ
Depois de assistir ao documentário do antropólogo argentino Alex Portugheis, Catadores Caipiras, senti ecoando os versos de Manuel de Barros: “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. / É preciso tranver o mundo.”
O trabalho de Alex em Assis começou em janeiro de 2007, quando filmou o cotidiano dos catadores por um mês. De volta a Buenos Aires, tinha horas de material gravado, modas de viola, a língua portuguesa mesclada ao castelhano, e muitas lembranças de um Brasil que não chega aos noticiários estrangeiros. O que resultou desse trabalho ele nos traz agora: sua “transvisão”, a tão necessária desnaturalização do olhar, prerrogativa para a criação de possibilidades e de ações. É um olhar estrangeiro sobre nós que impõe questionamentos novos, nos fazendo repensar o lugar-comum justamente quando nos mostra o que nos circunda, através da mudança de perspectivas nas interações sociais na luta dos catadores pelo reconhecimento do seu trabalho: os bairros, a cidade, a região, o país. No documentário, O trenzinho caipira, música de Villa-Lobos e poema de Gullar, segue como o caminhão da Coocassis, transformando para continuar.
Alex convida a todos para a estréia do vídeo Catadores Caipiras, em especial aos catadores da Coocassis. O local escolhido foi o Galpão Cultural, onde diz ter sido possível a ele descobrir a vida cultural subterrânea de nossa região. Será na sexta-feira, dia 18 de abril, às 19 horas, dentro do programa Cine Galpão.
Priscila Miraz é historiadora, mestranda da Pós-graduação da Unesp de Assis.

Comunidade, Apoio Cultural, Rádio, Comunicação, Você, Eu...

EDUARDO LIMA
O termo comunitário é relativo à comunidade. Comunidade é a qualidade do comum, o corpo social, a sociedade em si, ou o local por todos habitados.
Nos dias de hoje se discute muito o que é comunitário, o que é rádio comunitária, o que é isso o que é aquilo... E parece que até os grandes donos dos meios de comunicação de Assis e região discutem sobre isso. Nada mais justo com seus atingidos, os leitores, os ouvintes, os telespectadores... Todos nós!
Mas será mesmo que está sendo posto em diálogo o que é comunitário?
O que pode ser representado muito bem para se pensar em “comunitário” é pensar na Dialética. Termo utilizado para designar o diálogo, pensando num sentido mais amplo, a arte de discutir, a tensão e o diálogo entre os opostos... A Dialética cai como uma luva na discussão sobre a verdadeira função de um meio de comunicação “comunitário”.
Antes de tudo, a função de um meio de comunicação é comunicar, é deixar ao receptor a sensação do que é plausível, do que é a liberdade e do que é um fato. A arte de expor comunicações através de uma rádio, por exemplo, é um pouco mais lindo. A possibilidade de expor idéias e conceitos, fatos e ocorrências, são regadas por algo que deixa tudo mágico e gostoso no ar: a música.
Mas como não seria diferente, todos querem algo: os ouvintes!
Quando se expande essa discussão para o patamar comercial, ai tudo muda da água para o vinho. Deixa-se de lado toda a estrutura da comunicação para um outro patamar. Patamar esse que desestimula a consciência do entendimento do termo “comunitário”. Quer queira ou não, os meios de comunicação são empresas. Hoje em dia é bobo e ingênuo achar que um meio de comunicação tem por finalidade primeira a comunicação em sociedade. É algo um pouco mais complexo e mais cínico. Todo mundo da comunicação faz parte disso. Eu, você que recebe e, claro, os que emitem.
A propaganda, o apoio cultural são meros artifícios... Será mesmo que o que devemos imaginar e correr atrás são o dinheiro e expansão de aparência nos meios de comunicação?
Quando se ouve a programação de uma rádio comercial na cidade de Assis por exemplo, é visível e angustiante a quantidade de propagandas, de promoções comerciais e a falta de capacidade cultural que alguns carregam consigo em seus trabalhos. Trabalhos justos e sinceros, mas... Sem conteúdo cultural e conhecimento sobre música.
É engraçado que exista radialistas que nem escrever ou ler direito letras em inglês sabem... É super engraçado que muitos pensem que é necessário não saber tudo sobre cultura e história para trabalhar com comunicação... É engraçado como muitos possuem um medo enorme de perder seus empregos porque aparecem pessoas com idéias e sentimentos novos... É engraçado como existem pessoas falsas que se passam por comunicadores, mas que nem sabem o que é recepção e emissão na comunicação.
Não cabe a nenhum de nós questionar o que é certo ou errado. Não cabe a nenhum de nós, moradores de Assis, propor idéias e melhoras nos rádios da nossa região, mesmo porque a mudança é algo relativo. Não cabe a nenhum de nós questionar o que é apoio cultural. Mesmo porque a nossa eterna Rede Cultura de televisão já estampa propagandas comerciais cheias de cores e preços! Não que seja errado ou fora das leis e normas da comunicação brasileira... Mas parece mais pobre culturalmente vermos um canal que outrora fazia programas sobre a história de Glauber Rocha ou afins, precisar de dinheiro para se manter. A necessidade faz o cinismo. E a procura pelo novo já difere muito do que é educação. Tenho pena é do governo que estimula e destrói a cada dia mais os meios de comunicação comunitária, como a Rede Cultura de Televisão. Isso é matar o conhecimento e a informação... Matar a educação de um povo.
Apoio cultural é propaganda. Apoio cultural é cultura. Apoio cultural é o que todos nós somos e não queremos lembrar. Quisera eu poder ouvir fartamente numa rádio comercial o termo apoio cultural, simples assim, e não preços de produtos. Seria um pouco mais educado. Mais justo...
Não que o dinheiro não seja necessário... Mas a volúpia que muitos possuem em “ter”, acima de tudo, sobre o “ser” é muito triste. O sentido empresarial e econômico que rege nossas vidas nos dias de hoje é turvo, é negro... E essencialmente necessário. Tudo mundo precisa comer, não é?

Eduardo Lima é Jornalista, radialista e escritor - desuso@bol.com.br

15 Minutos de Deus

MAX COSTA
Não me lembro bem quando, mas, foi numa dessas tardes quentes de verão. Era domingo; e como de costume, sentamo-nos eu e a família na calçada em frente de casa para, saborear um mate gelado com gengibre, juntamente com uns costumeiros amigos: Bernardo (Bambino) Ginatti e sua adorável família, velhos amigos de tantos carnavais, (do tempo em que o nosso mate era “batizado” com São João da Barra!) Bambino é aquela típica figura bonachã; alma expansiva, sempre disposta a como ele mesmo diz “cornetear alguém”; e sempre cheio de histórias pra contar; (as mais impagáveis possíveis).
Pois bem, estamos ali, bebericando um mate, aproveitando a inexistente brisa de fim-de-tarde quando, paá! Minha visão captou! Do outro lado da rua, uma das mais exóticas aparições que eu tive a raríssima oportunidade de apreciar: Envergando um não menos raro e impecável terno “ocre-ofuscante”, enforcado por uma robusta gravata branca de crochê, do tipo “língua-de-vaca” e açambarcando um bíblia tamanho enciclopédia, um respeitável negrão também sou negro, embora miúdo de seus bons metro-e-oitenta; pasmei! Imediata e sutilmente, toquei e apertei o braço de D. Adriana (é um sinal nosso) e ela o de D. Theresa esposa de bambino ela por sua vez, toca no marido que, logo olha e também se toca! Ficamos olhando para aquele “obelisco negro”. Ele se deslocava sem pressa, porém, firme, grave, quase solene; ao nos perceber, no ponto em que estava de frente conosco, virou-se e, estendendo a mão espalmada em nossa direção pareceu aquele homem do raá! nos cumprimentou de modo esmerado e formal: “Boas tardes senhores! A paz do senhor Jesus”! Com nossas embasbacadas caras de bolacha e um risinho amarelo, retribuímos com um chocho: “Boas tardes”, exceto bambino que, esmerando-se em simpatia ele não ia perder uma chance dessas, né? lhe dirige uma exagerada mesura e lhe responde com um demorado: “Muito boa tarde pastor Norberto, a paz de Jesus também para o senhor! E de lá, o pastorzão manda bala de volta: “A paz de Jesus pra todo nós meu irmão, pra todos nós”! Um carrão novo passa na rua entre nós, devagarzinho, apreciando a cena; o colosso religioso faz um gesto aquele do raá! também para eles e, girando sobre os calcanhares, vai embora, cumprindo sua solene e solitária procissão. Silencio total! Todo mundo com um contido riso disfarçado, uma cara falsamente séria.
Mas, ô diabos! Alguém tinha que me dar uma explicação qualquer para aquele... “Fenômeno Jesuíta”, “aparição cristã” ou qualquer outro nome com que se pudesse identificar aquela criatura! Virei-me para Bernardo Bambino e em meio a riso cínico, indaguei ao nosso “vitalício mestre de cerimônias”: Ô Bambino, você conhece esse... Essa, figura exótica?! E o danado do italiano que pior do que nordestino contador de estórias - adora contar um “causo”, já foi logo dizendo: Se eu conheço o pastor Norberto? Pois, se eu sou o pai dele! Ninguém se agüentou, risada geral! Eu de cara já cortei a delonga: “Ô rapaz, deixa de molecagem, o homem deve ter a idade do teu avô e é afro-descendente, vai lá, conta o que você sabe sobre aquele figurão fantasiado de abóbora! Ai ele faz um suspense e fala com um ar de sabe-tudo: Pega lá mais suco de mato (ele fala assim de todo chá) que eu vou te contar uma daquelas, irmãozinho, daquelas! E vou dizer exatamente o que aconteceu, sem enfeites!
Subimos todos para dentro de casa, Bambino alojou a grande barriga no sofá, uma caneca de mate na mão e, - como é costume dos contadores de histórias fez um discurso preliminar, afirmando que a tal história, era mais fiel à verdade que a bíblia! Terminado o floreio, nos contou finalmente a sua versão a respeito do bispo Norberto: “Pra começo de conversa, o pastor Norberto Cardoso, esse respeitável discípulo de Jesus, nem sempre foi essa pessoa que nós vimos hoje; até algum tempo atrás, ele era conhecido apenas como: “Nó aberto”, porque andava com as calças sempre caindo, mal amarradas por um cadarço de coturno, ele sempre achava que o apelido se referia ao...Nó!(fez um gesto obsceno) sabem como é, o de bêbado não tem dono! (gargalhadas!) Então,sempre que alguém de algum ponto escondido lhe gritava: “Nó aberto”! Ele já mandava de volta: “Aberto é o nó da tua mãe, aquela frôxa, seu filho duma égua! E uma enxurrada de outras palavras “doces”. Era o bêbado mais escrachado que já existiu aqui pros nossos lados; sabem a Chica-pé-duro, aquela cachaceira que só andava descalça? (todos fizemos: Uuhg! E cara de nojo) Pois é, ele foi namorado dela; e não era por falta de mulher não que, D. Adélia, sua esposa, é uma coroa até muito bem apanhada; o que mata é a carolice católica dela; aquele monte de roupa comprida e aquele eterno rosário na mão; morria de vergonha do Norberto, a coitada. De quando em sempre era obrigada a recolhê-lo da calçada do bar, onde sempre dormia, todo vomitado; aí era dia de show, ela o ia arrastando ele pela rua, rogando-lhe mil pragas: “Que Deus te castigue, seu pinguço desgraçado! O diabo ainda vai levar a tua alma! E o Norberto, lá do fundo da carraspana retrucava, sorrindo, com a voz engolorada: Lheva nada Delinha, que nosso sinhô “potrege” as criança e os “beudo”! E dava risada...Mas, um dia,os anjos estavam de mau humor e disseram, amém! E as pragas de D. Adélia colaram nas costas daquele futuro homem de Deus. Naquela noite, o Norbertão, morto de bêbado, caiu na minha varanda; era já madrugada, como eu estava insône, fiquei assistindo televisão; ouvi um barulho,espiei pela persiana e lá estava ele; o rosto brilhando de suor e desfigurado pelo esforço do vômito; tentava desesperadamente se levantar mas, não conseguia,tremia, resvalava e voltava a cair. Aí, começou a chorar e a implorar: “Ô João! Ô João, bicho “horrive”, me solta meu, dex'eu ir, bicho danado; (eu acho que ele estava vendo o “mungango”). Num dado momento, pediu ajuda pra Deus: “Ô mô Deus! Me ajuda mô Deusin! Ó, eu nunca mais que eu encosto mais nenhuma gota de bebida nessa minha boca pingunça, eu prometo, eu prometo! Ô João, solta eu sô, dex'eu vazá, fio duma égua! Nessa hora eu não me agüentei, eu tinha que tirar uma gozação em cima daquele cachaceiro safado! Fiz uma voz cavernosa e comecei a dizer: Norbeerto! Ôô, Norbeerto! Sou eu, Norberto, Deus! Seu bêbado sem vergonha! Apronte-se para acertarmos nossas contas, pois chegou sua hora Norbeerto! Ele ficou congelado por um instante, pra depois responder, em pânico: “Deus?! Ô mô Deusin, pelamor de Deus, num deixa não, o bicho me levar, eu num bebo mais, num bebo mais! E eu: “Bebe siim! Que você é um cachaceiro perdido, agora você vai morrer e vai para o inferno! Direto pra mão do capêtaa! Nessa hora, o pânico foi maior que a cachaça; ele conseguiu se levantar e saiu, cai-não-cai, tentando correr, falando noite a dentro, desesperado: “Faz isso não mô Deusin! Faz isso não, num bebo mais ,num bebo mais, me solta João! E foi embora madrugada afora, na certeza de que havia falado com Deus! (Apenas bambino sorriu, ninguém mais). Ele continuou sua narrativa: Depois disso, “Norbertão” sumiu, todos pensavam que ele havia morrido; passou-se mais de ano, até que um dia, me apareceu esse pastorzão aí, que vocês viram, me agradecendo e me contando o mesmo fato que eu tinha visto naquela noite e afirmando que ali, na varanda da minha casa, Deus havia feito um milagre na vida dele! Vocês entenderam? Fui eu quem fez o milagre e não Deus! Fui eu quem criou o pastor Norberto! E Bambino ria, ria! Ria que chorava; mas, eu percebi que nós, sua platéia, ficamos um tanto impressionados com aquela estranha maneira de Deus agir. Bem, se foi Ele mesmo, ou não, isso ninguém saberá jamais; o fato, porém, é que, de uma forma ou de outra, numa estranha noite de insônia, Bernardo “bambino” transformou o bêbado “nó aberto” no respeitável pastor Norberto, conquistando assim, não apenas quinze minutos de fama, como todo mortal comum, mas, quinze minutos de DEUS!

Max Costa é escritor e poeta, idealizador e fundador da Confraria do Artista de Assis

Que viva o palhaço! (e a criança que dorme em nós!)


ROSÂNGELA AMPUDIA

Lá vêm os palhaços!
Lindos, coloridos, brilhantes e alegres!
Suas risadas ecoam no ar, fazendo-nos inalar a alegria!
Trazendo nas mãos a Rosa dos Ventos sobre um Tubinho.
De Buchechinha rosada e Coxinha grossa, brincando com seu Jacaré!
Acorda criança!
Acorda a criança!
Acorda a criança que dorme dentro do peito!
Acorda a criança que faz do peito um leito!
Lá vêm os palhaços!
Lindos, coloridos, brilhantes e alegres!
Acorda a criança ninada pelo preconceito!
Acorda a criança toldada pela máscara de quem insiste em deixá-la adormecida!
Lá vêm os palhaços!
Lindos, coloridos,brilhantes e alegres!
Olha!
A criança ainda dorme!
Não deixa essa criança passar do sono profundo ao coma induzido!
Olha!
Os palhaços!
Fabricando brincadeiras e loucas histórias!
Retalhos lindos, coloridos, brilhantes e alegres!
Menina de fitas!
Meninos de borracha!
Olha que lindos, coloridos, brilhantes e alegres esses palhaços!
Corre ! Corre!
Corre ao encontro deles que têm o dom de colorir sonhos!
Que viva o palhaço!

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil


ERMÍNIA SILVA

Ermínia Silva, com sua pesquisa, lança um olhar diferente sobre o fenômeno circense. Para isso, focaliza uma época bastante significativa no desenvolvimento do circo brasileiro - de 1870 a 1910, aproximadamente - e recupera uma figura emblemática do período: o artista circense Benjamin de Oliveira. A autora desvenda aos nossos olhos um espetáculo distante da decadência, sempre contemporâneo e inovador, agregador de múltiplas linguagens. Um espetáculo feito por artistas polivalentes, fruto de uma formação rigorosa, cuja atividade, mais que profissão, era opção de vida.
É, finalmente, uma obra que pode ser lida com prazer, num só fôlego, ou um livro de estudo precioso, de leitura vagarosa, a que devemos retornar sempre, não pela dificuldade de entendimento, mas pelo prazer de dialogar com o texto e com as inúmeras reflexões que a autora propõe.

A personagem palhaço


ANDREIA APARECIDA PANTANO


O objetivo deste livro é analisar a criação da personagem palhaço bem como sua forma de interpretar e encenar. Durante a análise deste processo de criação a autora procurara entrever as formas da subjetividade e da liberdade, para o processo criativo. O objeto da análise será o palhaço de circos pequenos, uma vez que nestes circos ele é a personagem central do espetáculo. No entanto, não se excluem entrevistas com palhaços que atuam em circos grandes. No primeiro capítulo, O circo e sua história, é feita uma síntese da história e origem do circo. Também neste capítulo, procura-se não só contar a história desta arte como também entender o significado que a arte circense teve ao longo do tempo. E, por último, são abordadas as diferenças e semelhanças entre o circo e o teatro.
Ser palhaço é o segundo capítulo, em que procura-se indagar sobre o que é ser um palhaço, revelando, entre outras coisas, os dissabores dessa profissão. Permeada de mitos esta é uma das profissões mais antigas. Aqui, investiga-se a origem do Clown Branco e do Augusto, demonstrando assim as diferenças que compõem essas duas personagens. No terceiro capítulo discute-se a criação da personagem palhaço, de como esta é concebida e quais são os elementos participantes deste processo de criação.

Comédias de circo teatro

HEYTTOR BARSALINI e ISIELY AYRES

Neste livro, o objetivo maior dos organizadores foi resgatar e garantir a existência das antigas comédias usadas nos circo-teatros, que corriam o risco de desaparecer pois eram transmitidas via oral de geração para geração de artistas. O livro contém as peças: "O princípe da Maçonaria" e "A Bomba". Mais do que um livro, é um documento!

José Alfredo

Quando viajo,
aí eu sinto
que eu não minto!
Sem mais,
eu digo até mais!
Quando eu sinto desejo,
aí é que eu vejo!
Na realidade,
aí é que é a minha
felicidade.

Palhaço (samba)

Nei Nascimento

quem foi que disse que seria fácil?
quem foi que disse que era só querer?
para voar tem que sair de baixo,
para ensinar , primeiro aprender...
lágrima e riso num mesmo palhaço,
máscara e face num mesmo viver,
se sob a lona o riso chega fácil,
em volta dela o duro é não sofrer...

mas deixa a água correr,
deixa o tempo passar
deixa um sonho morrer...
pra outro sonho brotar
e se cansado solitário e fraco
você ainda precisar sorrir...
se as suas pernas buscarem espaço
e não houver espaço aonde ir,
se as esperanças virarem pedaços
e os medos todos resolverem vir...
quem do trapézio não olhou pra baixo
e desejou do vôo desistir

mas deixa a água correr,
deixa o tempo passar
deixa um sonho morrer...
pra outro sonho brotar

Para ver e ouvir: http://br.youtube.com/watch?v=xLM3XTjvOMY

Nei Nascimento é poeta, músico e professor.

Piolin


MANOELA MARIA VALÉRIO
TIAGO CASSOLI

Sob a lona de um circo armado na cidade de Ribeirão Preto nasceu Abelardo Pinto, o palhaço Piolin, no dia 27 de março de 1897. Piolin encantou o público de sua época e foi, na efervescência de 1922, incorporado ao movimento modernista como um grande artista da cultura brasileira. Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, dentre outros, foram alguns de seus assíduos espectadores e amigos. Rendendo homenagem a Piolin, comemora-se o dia 27 de março como dia do circo.
E agora, o circo morreu? Não! Eis a mais antiga novidade: o circo é vivo e transforma-se, transmuta-se em milhões de formas, habita o passado e o futuro, é presente! Esquenta as praças e faz vibrar os corações da cidade! De saltimbancos medievais aos circos modernos do século XVIII, de circo pequeno ao grande, dos esquecidos aos sempre lembrados, venerados, o circo vive e há tempos que, todo dia é dia de circo.
Atentemos, no entanto, para os pequenos circos que percorrem nossas cidadezinhas. Estes são constituídos por um grupo familiar que não se pauta unicamente em vínculos consanguínios mas por pessoas que possuem, sob a lona, uma relação singular de trabalho, de educação, de transmissão da arte circense de geração para geração, possibilitando práticas muito diferenciadas dentro da nossa cultura.
Nestes circos encontramos a montagem de um espetáculo dividido em duas partes; na primeira, números variados de risco e de superação de limites corporais, como; o malabarismo, as acrobacias aéreas e de solo, os números de equilíbrio, o contorcionismo, a pirofagia, intercalados por esquetes e reprises da figura principal do espetáculo; os palhaços. Na segunda parte alguns circos exibem do mesmo modo os números de variedades, mas outros circos levam para o público um espetáculo de teatro com peças do repertório circense. Lembrando que a pausa do espetáculo é o momento em que os artistas vestem-se de vendedores de pipoca, maçã do amor, churros, pastel, guloseimas clássicas do universo circense.
Há mais de cem anos a passagem destes circos pelas cidades vem contribuindo para a produção e disseminação da cultura em nosso país. Cumpre, assim, um papel social fundamental para a população das cidades interioranas onde a circulação artística geralmente é escassa e que não são, em sua maioria, contempladas pelas políticas públicas culturais fomentadas pelos governos.
Entretanto, o circo itinerante tem a estrada como trajeto de seu trabalho, deste modo, para chegar de um ponto a outro, ou seja, de uma para outra cidade, tem que pagar taxas por todos os carros, trailers, caminhões, o que acaba por comprometer essa circulação. E então, quando chega numa localidade é cobrado a pagar para as diversas instâncias: prefeitura, corpo de bombeiros, aluguel de terreno, autorizações de polícia, etc. Por estas razões muitos circos não são autorizados a entrar em algumas cidades sem o prévio pagamento de alvarás ou pelo fato ainda de terem animais em seu espetáculo. Ocorre que cada município ou estado têm leis próprias variando as exigências oficiais para a entrada do circo na cidade, ficando assim ao sabor das circunstâncias, muitas vezes desfavoráveis, configuradas em sua chegada ao local.
Tais questões somam-se a um conjunto de fatores, dentre eles o surgimento da televisão que acabou assumindo o lugar de principal veículo de comunicação e difusão da cultura, antes realizado pelo circo e posteriormente também pelo rádio. Esses são alguns dos sérios motivos pelos quais essas famílias vêm enfrentando dificuldades para sobreviver e que contribuem para diminuir a circulação destes espetáculos pelo país.
Torna-se urgente a necessidade de pensarmos políticas públicas de incentivo e proteção deste veículo cultural imprescindível às cidades, em especial do interior, que muitas vezes têm no circo umas das raras possibilidades de experienciar uma obra de arte. O circo aqui tratado cumpre um papel social precioso para a sociedade e esta cumprirá com suas responsabilidades ao tomá-lo como patrimônio cultural que necessita de políticas públicas de incentivo e proteção.
Quiçá os outros tantos dias do ano sejam festejados com os tantos palhaços, trapezistas, acrobatas, malabaristas, artistas que levam esta arte aos picadeiros, palcos, ruas, ao interior, às capitais, à vida das cidades, aos corações, um brinde à alegria! E ao público! Eis que há de ser saboroso, neste acontecimento, o brinde ao encontro circense!
Manoela Maria Valério, integra a Equipe CIRCUS e realizou mestrado em Psicologia na Universidade Federal Fluminense RJ, com o tema das artes circenses.
Tiago Cassoli é doutorando de Pós-graduação em Psicologia da Unesp de Assis. Autor da dissertação de mestrado pela Universidade Federal Fluminense, Do perigo das ruas ao risco do picadeiro.

O buraco do palhaço...é mais embaixo


MANOELA MARIA VALÉRIO

Um dia desses, ele, o artista em sua fome engraçada, retomou o fio da vertigem para que pudesse, a concretude fugidia de sua existência, ser ouvida. Tantas coisas parecem querer dizer e este silêncio que povoa... Os espetáculos continuam e uivam aqueles tais seres de purpurina. Chegam e percorrem sonhos, pensamentos e experimentações. Dissolvem-se em noites sob a lona de telhas, de pano, de estrelas, ou o que for... desmanchados de si são artistas e público no ato que não se repete com a estranha troca de “exatamente o quê?”....alegria de um bom encontro.
Bom? Também. Quem sabe?....O que se sabe é que naquele dia o tal palhaço emergiu no pedaço aberto da cidade fechada.
Sentados em forma de meia lua, à beira mar, ou na ventania do sertão, o público cheirava terra, tijolos e pedras mofadas. Era tamanha a intensa expectativa daqueles segundos incontáveis que precediam a entrada do artista... Ufa! Penetrou!
O picadeiro aos poucos era todo seu, preenchido por cada gesto, uma energia peculiar fazia a ronda. Seu olhar era de quem inventava conhecer cada um que ali estava. Talvez conhecesse, talvez um faz-de-conta, mas pareceu por ora um amigo de longa data com quem se conversa coisas bobas e inúteis, escancara nojos e esparrama na cara tortas verdades, tortas...transmutação de previsíveis valores. O palhaço, sem diminutivos, pegou criança e a tratou com jeito, se duvidar, constrangedor... não fez nada belo para receber aplausos de “senhores cidadãos”, não a presenteou com o óbvio bonitinho. Deu o que ela não pediu, mas o que a vida lhe ofertaria talvez mais tarde. Susto, queda! “É para saberes que nem sempre temos o que queremos...”. Escracha com risada demoníaca!
Pegou homem grande, todos de quatro, deixou-o bobo, nu de formas, virou-o do avesso e virou homem, “un poquito”.
Figurino de colorido inusitado, nariz preto, traços rotos e negros no rosto, horroroso o cara mais lindo. Pediu com tanta atitude a presença das forças que até São Pedro parou de chorar para ver no dito acontecido, da cidade inominável, à beira mar sertanejo, aquele palhaço, feito de matéria esquisita, de palha, de aço... dali, dos buracos, terras e partes de baixo.

Manoela Maria Valério, integra a Equipe CIRCUS e realizou mestrado em Psicologia na Universidade Federal Fluminense RJ, com o tema das artes circenses.


Neps promove jornada de direitos humanos



O Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades (Neps) promove neste sábado, dia 6 de abril, a jornada “Direitos iguais: nem menos, nem mais!”, evento preparatório para a Conferência Estadual GLBTT , que acontecerá nos dias 11, 12, 13 de abril de 2008 em São Paulo.
As atividades da jornada “Direitos iguais: nem menos, nem mais!” ocorrerão no Campus da Unesp de Assis a partir das oito horas, com uma conferência sobre a História do Movimento GLBTT em São Paulo, seguida de grupos de trabalho que debaterão temas específicos da Conferência Estadual GLBTT.
Para o encerramento das atividades, os organizadores da jornada promoverão a II Caminhada GLBTT de Assis, com saída prevista para às 16 horas da Rua Orozimbo Leão de Carvalho (sede do Neps), percorrendo as avenidas Marechal Deodoro e Rui Barbosa, com encerramento na Praça da Mocidade.

Provérbios rurais e história do Brasil


PAULO HENRIQUE MARTINEZ

O artigo de Eduardo Diniz Junqueira, “Quem chega atrasado bebe água suja”, publicado em O Estado de S. Paulo (26/março/08), é emblemático daquilo que digo aos estudantes de História: as temáticas ambientais são um fecundo caminho para conhecer a formação da sociedade brasileira. Por esta razão, tenho recomendado a sua leitura dentro e fora das salas de aula.
Um fazendeiro ilustrado é ave rara em nossa história, secularmente marcada pela rudeza mental e pela brutalidade física do capital agrário. No Brasil, entre as grandes famílias de proprietários rurais floresceram muitos talentos intelectuais. O historiador paulista Caio Prado Júnior (1907-1990) é, sem dúvida, exemplo cristalino.
A argúcia intelectual de Eduardo Diniz Junqueira em extrair uma compreensão do passado a partir do dito popular é instigante. Na década de 1940, Florestan Fernandes debutou na pesquisa sociológica estudando “máximas” e “adivinhas”, ditas folclóricas, na cidade de São Paulo. Hernani Donato compilou valiosa seleção de “Cem ditados rurais paulistas”, na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. Há anos Rolando Boldrin esmera-se em difundir, nos programas de televisão, a imaginação poética e musical da cultura dita caipira. E Chico Buarque de Holanda, filho de historiador, condensou em verso, a nossa história rural: “amplidão, nação, sertão sem fim”.
O refinamento ilustrado do fazendeiro e escritor, sem dúvida, o distingue. A sua compreensão da história brasileira, tatuada no provérbio que dá título ao artigo, porém, revela descompasso social e político com a atualidade. É elucidativo, por isso mesmo, do nosso passado e do nosso presente. Longe de acreditar que o governo Lula seja uma melancia política (verde por fora e vermelha por dentro), pois também neste aspecto o PT no governo federal ficou aquém das suas possibilidades e das necessidades históricas do país, a incorporação de variáveis ambientais é, hoje, uma necessidade nas políticas públicas e na iniciativa privada. Desde a década de 1990, economistas como Geraldo Muller, por exemplo, apontavam o lugar estratégico do meio ambiente e de alguma justiça social para a inserção competitiva no mercado mundial do século XXI.
É pesaroso ver a lamúria de Eduardo Diniz Junqueira, que emerge no ditado que escolheu para traduzir seus sentimentos, diante do fato de a Amazônia ter escapado ao ferro e ao fogo dos nossos empreendedores rurais. Tanto quanto não é intrinsecamente mal, o desmatamento também não pode ser considerado uma virtude e uma necessidade inexorável. O Haiti é um país careca de cobertura vegetal e não conheceu desenvolvimento algum. A pilhagem das vastas florestas tropicais do Congo não faz deste país um exemplo nem de conservação e nem do desenvolvimento humano.
O historiador norte-americano Warren Dean, atento, também recolheu um provérbio caboclo para abrir o seu livro sobre a ocupação territorial do Brasil e a supressão da chamada Mata Atlântica: “quem vier depois que se arranje”. Em ambos os casos, a sabedoria e a simplicidade popular exalam uma dramática idéia de desenvolvimento e de futuro para a sociedade brasileira. Tanto em um quanto no outro estão embutidos traços indeléveis da nossa formação social e econômica, caracterizada pelo exacerbado individualismo, a sanha pelo lucro fácil e rápido, a indiferença para com os destinos coletivos, a violência social e a rapinagem ambiental.
A semelhança nos conteúdos desses provérbios é diluída pelas interpretações de cada um dos autores referidos. Enquanto o fazendeiro lamenta a perda de tempo e de supostas glórias de outrora, o historiador padeceu a angústia de que o século XXI assistisse, mais uma vez, a cenas vivas do passado. Ele temia a destruição das florestas do norte do Brasil, por exemplo, animando a perda da biodiversidade, a espoliação das terras indígenas e a concentração da renda e da pobreza urbana, tal como ocorrera no sudeste.
O fator tempo, o “atraso”, também comparece na lembrança trazida por esses provérbios. Para Junqueira, houve atraso em desmatar a Amazônia, quando derrubar e queimar as florestas eram entendidos, por alguns e por ele, tristemente, como sinônimos de riqueza e de progresso. Para Warren Dean, o atraso estava na relutância em formular, ainda nos anos 1990, políticas e alternativas em busca de outro tipo de desenvolvimento, que resultasse em benefícios materiais mais abrangentes e culturalmente mais profundos.
Os passivos ambientais e sociais do novo século sugerem repensar os provérbios rurais, a história e o futuro do país. Eles sopram outro ditado rural: “o risco que corre a árvore, corre o machado”. A Amazônia será o pontal do Paranapanema de amanhã?

Paulo Henrique Martinez é professor e coordenador do Laboratório de História e Meio Ambiente na Unesp/Assis.