terça-feira, 15 de abril de 2008

Catadores Caipiras


O filme Catadores Caipiras é um vídeo-documentário sobre a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (Coocassis). Produzido e dirigido pelo argentino Alex Portugheis, comunicador popular e estudante de Antropologia, o filme será exibido na próxima sexta-feira, dia 18, às 19h, no Galpão Cultural, seguido de um debate sobre o tema.
Leia nesta edição de Algo Mais dois artigos exclusivos sobre o filme: um do próprio diretor, que escreve sobre o rompimento das fronteiras, e outro do presidente da Coocassis, Claudineis de Oliveira, que descreve a estranheza inicial no trato com o estrangeiro.

Argentino lança filme sobre Coocassis

EDINEI JOÃO GARCIA
A presença de Alex Portugheis em Assis não é passageira, é estrangeira.... Com o intuito de aproximar fronteiras, Alex chegou em Assis pela primeira vez em janeiro de 2007, a convite da organização não-governamental Circuito de Interação de Redes Sociais (Circus). A sua vinda tinha uma finalidade bem específica: registrar a organização dos catadores de materiais recicláveis que integram a COOCASSIS.
Este estudante de antropologia da Universidade de Buenos Aires, tem um trabalho peculiar em educação popular. Ao produzir o vídeo documentário da Coocassis como uma vídeo-ferramenta, a relação, os vínculos que criaram Alex e o grupo da Coocassis romperam as fronteiras culturais, da realidade social, da língua, produzindo uma série de conteúdos novos, que só o olhar estrangeiro poderia encontrar.
Assim Alex volta para Coocassis neste ano de 2008, e agora como oficineiro de comunicação popular, partindo da exibição do documentário para potencializar a comunicação dos catadores com a sociedade civil, Estado e empresas. Com isso, o documentário assume a função de instrumentos de educação popular, pois é utilizado para produzir conteúdos dos catadores, consolidando uma unidade discursiva do grupo da Coocassis.
Temos como objetivo ainda para este ano de 2008, efetivar um circuito de difusão do documentário “Os Catadores Caipiras” na cidade de Buenos Aires e suas províncias. Aí sim o documentário realizará a comunicação entre catadores de Brasil e Argentina. Ao passo que no Brasil, na região de Assis, o desafio é vender Cópias de DVDs com as 2 versões (português e castelhano). A comercialização dos DVDs é fundamental para trabalharmos com sustentabilidade, pois as despesas para produzir “Os Catadores Caipiras” foram assumidas por Alex (2007) e agora em 2008 as despesas estão por conta do Fundo Comum Circus/Coocassis/Incop-Unesp). Este fundo, que é solidário, fomenta algumas ações que tenham o propósito de produzir material didático, conteúdos para formação, algumas capacitações; mas não é financiamento a fundo perdido, portanto, os gastos realizados agora serão repostos com a vendas do DVDs.

Edinei João Garcia é membro da Organização não-governamental Circuito de Interação de Redes Sociais (Circus)

Fronteras, miradas y nuevos desafios...

ALEX PORTUGHEIS
Cuando los exploradores emprenden sus nuevos viajes, los bordes, que demarcan territorios, se disipan. Juran que Latinoamerica fue descubierta hace cinco centurias, pero aquellos que abren grande los ojos y las orejas, nunca dejan de sorprenderse. Las fronteras yacen bajo nuestros pies, retando nuestros pasos. Brasil o Argentina, Maradona o Pele, se pierden en un laberinto de ilusiones. La materia nos invita a volverla a observar, a volverla a nombrar. Cuando llegué a esta ciudad por primera vez, brilló en mi mente, una región que solo representaba un vacío en un mapa político internacional. Fui invitado, para observar y expresar con mi cámara, pero tras 12 horas de grabación y otras tantas de edición, sentía que yo mismo estaba siendo transformado. Los compañeros de Coocassis tienen esa virtud, su forma de batallar la vida, en este mato corroído por estradas, nos comunican que es posible transmutar la herencia de la eterna explotación, en Dignidad. Pero en esta vuelta, después de un año, esa afirmación se me expande en mi cerebro. Hace un tiempo, las conquistas de exceder el salario mínimo parecían fantásticas novelas. Hoy, los compañeros de Coocassis, junto con otras cooperativas hermanas del oeste paulista, no solo quieren transformar las formas de vida, de los catadores, sino que además piensan en construir estilos de vida y sociedad mas sustentables en estos tiempos de cataclismos. En otros confines de este maravilloso continente, sabrán que en Assis, una ciudad del oeste Paulista, existe muchos guerreros, que silenciosamente están transformando Brasil y Latinoamerica.

No documentário, o catador é o agente de comunicação

CLAUDINEIS DE OLIVEIRA
No começo ninguém acreditava na capacidade. Achamos até que ia sumir com o material filmado. A idéia era muito estranha. A proposta dele tinha um sistema novo, um jeito diferente de trabalho.... que deixa a coisa rolar. Não tinha cena montada, ele foi se envolvendo com todos os cooperados, conhecendo cada operação da Coocassis. Chegava no pessoal com um caderninho na mão, uma fala enrolada, na simplicidade: ei hirmão. E de poquito em poquito foi conquistando confiança e intimidade com a turma.
O contato com uma língua diferente, coisa que não temos muito no oeste paulista, vai provocando na gente outras formas de comunicação, agente vai construindo uma comunicação no dia a dia mesmo, com palavras e com o corpo.
É aquela coisa. Um cara que vem de longe para conhecer movimentos sociais, é porque esta envolvido com as organizações populares.
A presença de Alex quebrou também alguns estigmas. Neste caso, o de pensar que a Argentina é como país de primeiro mundo. Quando discubrimos que lá também tem catador e em um estágio menos avançado de organização, ficamos surpresos e também entusiasmados com a possibilidade de enviar imagens da Coocassis para que os catadores tenham novos horizontes quanto ao futuro da categoria. E como diz o argentino, não “essisten fronteiras hirmão.... estamos todos no mesmo time latino-américa”.
O documentário Os Catadores Caipiras ficou pronto em fevereiro de 2008, quase um ano depois. Mas atingiu o objetivo. Revela a realidade do catador. No documentário, o catador é o agente de comunicação. É o catador quem fala de sua rotina e suas lutas.
Agora, Alex está realizando uma oficina de comunicação popular com agentes da diretoria da Coocassis. Planejando a difusão de Os Catadores Caipiras, produzindo conteúdos para o encarte, produzindo conteúdos para utilizar a vídeo-ferramenta como instrumento de formação para os novos cooperados.
Esta oficina esta indo bem. Estamos alavancando conteúdos. Mapeando frase por frase, os conceitos que queremos trabalhar, e encaixando as frases individuais, como quebra-cabeças, produzimos um texto coletivo. Desse jeito ele não tira a fala do catador, não modifica a palavra usada pelo catador.

Claudineis de Oliveira é Diretor Presidente da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (Coocassis).


Transvendo o trem caipira

PRISCILA MIRAZ
Depois de assistir ao documentário do antropólogo argentino Alex Portugheis, Catadores Caipiras, senti ecoando os versos de Manuel de Barros: “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. / É preciso tranver o mundo.”
O trabalho de Alex em Assis começou em janeiro de 2007, quando filmou o cotidiano dos catadores por um mês. De volta a Buenos Aires, tinha horas de material gravado, modas de viola, a língua portuguesa mesclada ao castelhano, e muitas lembranças de um Brasil que não chega aos noticiários estrangeiros. O que resultou desse trabalho ele nos traz agora: sua “transvisão”, a tão necessária desnaturalização do olhar, prerrogativa para a criação de possibilidades e de ações. É um olhar estrangeiro sobre nós que impõe questionamentos novos, nos fazendo repensar o lugar-comum justamente quando nos mostra o que nos circunda, através da mudança de perspectivas nas interações sociais na luta dos catadores pelo reconhecimento do seu trabalho: os bairros, a cidade, a região, o país. No documentário, O trenzinho caipira, música de Villa-Lobos e poema de Gullar, segue como o caminhão da Coocassis, transformando para continuar.
Alex convida a todos para a estréia do vídeo Catadores Caipiras, em especial aos catadores da Coocassis. O local escolhido foi o Galpão Cultural, onde diz ter sido possível a ele descobrir a vida cultural subterrânea de nossa região. Será na sexta-feira, dia 18 de abril, às 19 horas, dentro do programa Cine Galpão.
Priscila Miraz é historiadora, mestranda da Pós-graduação da Unesp de Assis.

Comunidade, Apoio Cultural, Rádio, Comunicação, Você, Eu...

EDUARDO LIMA
O termo comunitário é relativo à comunidade. Comunidade é a qualidade do comum, o corpo social, a sociedade em si, ou o local por todos habitados.
Nos dias de hoje se discute muito o que é comunitário, o que é rádio comunitária, o que é isso o que é aquilo... E parece que até os grandes donos dos meios de comunicação de Assis e região discutem sobre isso. Nada mais justo com seus atingidos, os leitores, os ouvintes, os telespectadores... Todos nós!
Mas será mesmo que está sendo posto em diálogo o que é comunitário?
O que pode ser representado muito bem para se pensar em “comunitário” é pensar na Dialética. Termo utilizado para designar o diálogo, pensando num sentido mais amplo, a arte de discutir, a tensão e o diálogo entre os opostos... A Dialética cai como uma luva na discussão sobre a verdadeira função de um meio de comunicação “comunitário”.
Antes de tudo, a função de um meio de comunicação é comunicar, é deixar ao receptor a sensação do que é plausível, do que é a liberdade e do que é um fato. A arte de expor comunicações através de uma rádio, por exemplo, é um pouco mais lindo. A possibilidade de expor idéias e conceitos, fatos e ocorrências, são regadas por algo que deixa tudo mágico e gostoso no ar: a música.
Mas como não seria diferente, todos querem algo: os ouvintes!
Quando se expande essa discussão para o patamar comercial, ai tudo muda da água para o vinho. Deixa-se de lado toda a estrutura da comunicação para um outro patamar. Patamar esse que desestimula a consciência do entendimento do termo “comunitário”. Quer queira ou não, os meios de comunicação são empresas. Hoje em dia é bobo e ingênuo achar que um meio de comunicação tem por finalidade primeira a comunicação em sociedade. É algo um pouco mais complexo e mais cínico. Todo mundo da comunicação faz parte disso. Eu, você que recebe e, claro, os que emitem.
A propaganda, o apoio cultural são meros artifícios... Será mesmo que o que devemos imaginar e correr atrás são o dinheiro e expansão de aparência nos meios de comunicação?
Quando se ouve a programação de uma rádio comercial na cidade de Assis por exemplo, é visível e angustiante a quantidade de propagandas, de promoções comerciais e a falta de capacidade cultural que alguns carregam consigo em seus trabalhos. Trabalhos justos e sinceros, mas... Sem conteúdo cultural e conhecimento sobre música.
É engraçado que exista radialistas que nem escrever ou ler direito letras em inglês sabem... É super engraçado que muitos pensem que é necessário não saber tudo sobre cultura e história para trabalhar com comunicação... É engraçado como muitos possuem um medo enorme de perder seus empregos porque aparecem pessoas com idéias e sentimentos novos... É engraçado como existem pessoas falsas que se passam por comunicadores, mas que nem sabem o que é recepção e emissão na comunicação.
Não cabe a nenhum de nós questionar o que é certo ou errado. Não cabe a nenhum de nós, moradores de Assis, propor idéias e melhoras nos rádios da nossa região, mesmo porque a mudança é algo relativo. Não cabe a nenhum de nós questionar o que é apoio cultural. Mesmo porque a nossa eterna Rede Cultura de televisão já estampa propagandas comerciais cheias de cores e preços! Não que seja errado ou fora das leis e normas da comunicação brasileira... Mas parece mais pobre culturalmente vermos um canal que outrora fazia programas sobre a história de Glauber Rocha ou afins, precisar de dinheiro para se manter. A necessidade faz o cinismo. E a procura pelo novo já difere muito do que é educação. Tenho pena é do governo que estimula e destrói a cada dia mais os meios de comunicação comunitária, como a Rede Cultura de Televisão. Isso é matar o conhecimento e a informação... Matar a educação de um povo.
Apoio cultural é propaganda. Apoio cultural é cultura. Apoio cultural é o que todos nós somos e não queremos lembrar. Quisera eu poder ouvir fartamente numa rádio comercial o termo apoio cultural, simples assim, e não preços de produtos. Seria um pouco mais educado. Mais justo...
Não que o dinheiro não seja necessário... Mas a volúpia que muitos possuem em “ter”, acima de tudo, sobre o “ser” é muito triste. O sentido empresarial e econômico que rege nossas vidas nos dias de hoje é turvo, é negro... E essencialmente necessário. Tudo mundo precisa comer, não é?

Eduardo Lima é Jornalista, radialista e escritor - desuso@bol.com.br

15 Minutos de Deus

MAX COSTA
Não me lembro bem quando, mas, foi numa dessas tardes quentes de verão. Era domingo; e como de costume, sentamo-nos eu e a família na calçada em frente de casa para, saborear um mate gelado com gengibre, juntamente com uns costumeiros amigos: Bernardo (Bambino) Ginatti e sua adorável família, velhos amigos de tantos carnavais, (do tempo em que o nosso mate era “batizado” com São João da Barra!) Bambino é aquela típica figura bonachã; alma expansiva, sempre disposta a como ele mesmo diz “cornetear alguém”; e sempre cheio de histórias pra contar; (as mais impagáveis possíveis).
Pois bem, estamos ali, bebericando um mate, aproveitando a inexistente brisa de fim-de-tarde quando, paá! Minha visão captou! Do outro lado da rua, uma das mais exóticas aparições que eu tive a raríssima oportunidade de apreciar: Envergando um não menos raro e impecável terno “ocre-ofuscante”, enforcado por uma robusta gravata branca de crochê, do tipo “língua-de-vaca” e açambarcando um bíblia tamanho enciclopédia, um respeitável negrão também sou negro, embora miúdo de seus bons metro-e-oitenta; pasmei! Imediata e sutilmente, toquei e apertei o braço de D. Adriana (é um sinal nosso) e ela o de D. Theresa esposa de bambino ela por sua vez, toca no marido que, logo olha e também se toca! Ficamos olhando para aquele “obelisco negro”. Ele se deslocava sem pressa, porém, firme, grave, quase solene; ao nos perceber, no ponto em que estava de frente conosco, virou-se e, estendendo a mão espalmada em nossa direção pareceu aquele homem do raá! nos cumprimentou de modo esmerado e formal: “Boas tardes senhores! A paz do senhor Jesus”! Com nossas embasbacadas caras de bolacha e um risinho amarelo, retribuímos com um chocho: “Boas tardes”, exceto bambino que, esmerando-se em simpatia ele não ia perder uma chance dessas, né? lhe dirige uma exagerada mesura e lhe responde com um demorado: “Muito boa tarde pastor Norberto, a paz de Jesus também para o senhor! E de lá, o pastorzão manda bala de volta: “A paz de Jesus pra todo nós meu irmão, pra todos nós”! Um carrão novo passa na rua entre nós, devagarzinho, apreciando a cena; o colosso religioso faz um gesto aquele do raá! também para eles e, girando sobre os calcanhares, vai embora, cumprindo sua solene e solitária procissão. Silencio total! Todo mundo com um contido riso disfarçado, uma cara falsamente séria.
Mas, ô diabos! Alguém tinha que me dar uma explicação qualquer para aquele... “Fenômeno Jesuíta”, “aparição cristã” ou qualquer outro nome com que se pudesse identificar aquela criatura! Virei-me para Bernardo Bambino e em meio a riso cínico, indaguei ao nosso “vitalício mestre de cerimônias”: Ô Bambino, você conhece esse... Essa, figura exótica?! E o danado do italiano que pior do que nordestino contador de estórias - adora contar um “causo”, já foi logo dizendo: Se eu conheço o pastor Norberto? Pois, se eu sou o pai dele! Ninguém se agüentou, risada geral! Eu de cara já cortei a delonga: “Ô rapaz, deixa de molecagem, o homem deve ter a idade do teu avô e é afro-descendente, vai lá, conta o que você sabe sobre aquele figurão fantasiado de abóbora! Ai ele faz um suspense e fala com um ar de sabe-tudo: Pega lá mais suco de mato (ele fala assim de todo chá) que eu vou te contar uma daquelas, irmãozinho, daquelas! E vou dizer exatamente o que aconteceu, sem enfeites!
Subimos todos para dentro de casa, Bambino alojou a grande barriga no sofá, uma caneca de mate na mão e, - como é costume dos contadores de histórias fez um discurso preliminar, afirmando que a tal história, era mais fiel à verdade que a bíblia! Terminado o floreio, nos contou finalmente a sua versão a respeito do bispo Norberto: “Pra começo de conversa, o pastor Norberto Cardoso, esse respeitável discípulo de Jesus, nem sempre foi essa pessoa que nós vimos hoje; até algum tempo atrás, ele era conhecido apenas como: “Nó aberto”, porque andava com as calças sempre caindo, mal amarradas por um cadarço de coturno, ele sempre achava que o apelido se referia ao...Nó!(fez um gesto obsceno) sabem como é, o de bêbado não tem dono! (gargalhadas!) Então,sempre que alguém de algum ponto escondido lhe gritava: “Nó aberto”! Ele já mandava de volta: “Aberto é o nó da tua mãe, aquela frôxa, seu filho duma égua! E uma enxurrada de outras palavras “doces”. Era o bêbado mais escrachado que já existiu aqui pros nossos lados; sabem a Chica-pé-duro, aquela cachaceira que só andava descalça? (todos fizemos: Uuhg! E cara de nojo) Pois é, ele foi namorado dela; e não era por falta de mulher não que, D. Adélia, sua esposa, é uma coroa até muito bem apanhada; o que mata é a carolice católica dela; aquele monte de roupa comprida e aquele eterno rosário na mão; morria de vergonha do Norberto, a coitada. De quando em sempre era obrigada a recolhê-lo da calçada do bar, onde sempre dormia, todo vomitado; aí era dia de show, ela o ia arrastando ele pela rua, rogando-lhe mil pragas: “Que Deus te castigue, seu pinguço desgraçado! O diabo ainda vai levar a tua alma! E o Norberto, lá do fundo da carraspana retrucava, sorrindo, com a voz engolorada: Lheva nada Delinha, que nosso sinhô “potrege” as criança e os “beudo”! E dava risada...Mas, um dia,os anjos estavam de mau humor e disseram, amém! E as pragas de D. Adélia colaram nas costas daquele futuro homem de Deus. Naquela noite, o Norbertão, morto de bêbado, caiu na minha varanda; era já madrugada, como eu estava insône, fiquei assistindo televisão; ouvi um barulho,espiei pela persiana e lá estava ele; o rosto brilhando de suor e desfigurado pelo esforço do vômito; tentava desesperadamente se levantar mas, não conseguia,tremia, resvalava e voltava a cair. Aí, começou a chorar e a implorar: “Ô João! Ô João, bicho “horrive”, me solta meu, dex'eu ir, bicho danado; (eu acho que ele estava vendo o “mungango”). Num dado momento, pediu ajuda pra Deus: “Ô mô Deus! Me ajuda mô Deusin! Ó, eu nunca mais que eu encosto mais nenhuma gota de bebida nessa minha boca pingunça, eu prometo, eu prometo! Ô João, solta eu sô, dex'eu vazá, fio duma égua! Nessa hora eu não me agüentei, eu tinha que tirar uma gozação em cima daquele cachaceiro safado! Fiz uma voz cavernosa e comecei a dizer: Norbeerto! Ôô, Norbeerto! Sou eu, Norberto, Deus! Seu bêbado sem vergonha! Apronte-se para acertarmos nossas contas, pois chegou sua hora Norbeerto! Ele ficou congelado por um instante, pra depois responder, em pânico: “Deus?! Ô mô Deusin, pelamor de Deus, num deixa não, o bicho me levar, eu num bebo mais, num bebo mais! E eu: “Bebe siim! Que você é um cachaceiro perdido, agora você vai morrer e vai para o inferno! Direto pra mão do capêtaa! Nessa hora, o pânico foi maior que a cachaça; ele conseguiu se levantar e saiu, cai-não-cai, tentando correr, falando noite a dentro, desesperado: “Faz isso não mô Deusin! Faz isso não, num bebo mais ,num bebo mais, me solta João! E foi embora madrugada afora, na certeza de que havia falado com Deus! (Apenas bambino sorriu, ninguém mais). Ele continuou sua narrativa: Depois disso, “Norbertão” sumiu, todos pensavam que ele havia morrido; passou-se mais de ano, até que um dia, me apareceu esse pastorzão aí, que vocês viram, me agradecendo e me contando o mesmo fato que eu tinha visto naquela noite e afirmando que ali, na varanda da minha casa, Deus havia feito um milagre na vida dele! Vocês entenderam? Fui eu quem fez o milagre e não Deus! Fui eu quem criou o pastor Norberto! E Bambino ria, ria! Ria que chorava; mas, eu percebi que nós, sua platéia, ficamos um tanto impressionados com aquela estranha maneira de Deus agir. Bem, se foi Ele mesmo, ou não, isso ninguém saberá jamais; o fato, porém, é que, de uma forma ou de outra, numa estranha noite de insônia, Bernardo “bambino” transformou o bêbado “nó aberto” no respeitável pastor Norberto, conquistando assim, não apenas quinze minutos de fama, como todo mortal comum, mas, quinze minutos de DEUS!

Max Costa é escritor e poeta, idealizador e fundador da Confraria do Artista de Assis

Que viva o palhaço! (e a criança que dorme em nós!)


ROSÂNGELA AMPUDIA

Lá vêm os palhaços!
Lindos, coloridos, brilhantes e alegres!
Suas risadas ecoam no ar, fazendo-nos inalar a alegria!
Trazendo nas mãos a Rosa dos Ventos sobre um Tubinho.
De Buchechinha rosada e Coxinha grossa, brincando com seu Jacaré!
Acorda criança!
Acorda a criança!
Acorda a criança que dorme dentro do peito!
Acorda a criança que faz do peito um leito!
Lá vêm os palhaços!
Lindos, coloridos, brilhantes e alegres!
Acorda a criança ninada pelo preconceito!
Acorda a criança toldada pela máscara de quem insiste em deixá-la adormecida!
Lá vêm os palhaços!
Lindos, coloridos,brilhantes e alegres!
Olha!
A criança ainda dorme!
Não deixa essa criança passar do sono profundo ao coma induzido!
Olha!
Os palhaços!
Fabricando brincadeiras e loucas histórias!
Retalhos lindos, coloridos, brilhantes e alegres!
Menina de fitas!
Meninos de borracha!
Olha que lindos, coloridos, brilhantes e alegres esses palhaços!
Corre ! Corre!
Corre ao encontro deles que têm o dom de colorir sonhos!
Que viva o palhaço!