quinta-feira, 15 de maio de 2008

Combate ao Racismo

Nos registros da história oficial do Brasil, na próxima terça-feira, 13 de maio, é dia de comemorar a Libertação dos Escravos. Para o Movimento Negro, contudo, a data é considerada o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Nesta edição, Algo Mais publica, com exclusividade, artigo da presidente do Instituto do Negro de Assis (Zimbauê), Mônica da Silva, sobre o assunto. Para ela, “negros e negras permanecem alijados de direitos sociais, vitimados pelo preconceito e pelo racismo”.

Dia Nacional de Luta Contra o Racismo


Mônica da Silva


Há exatamente 120 anos a Princesa Isabel declarou extinta a escravidão. Mas a pergunta que não quer calar é: Isto de fato ocorreu?
Penso que não. Pois, o Estado brasileiro nasceu sob o amparo do escravismo e não há riqueza nem bens acumulados neste país que não tenham, direta ou indiretamente, se beneficiado do trabalho e do sangue dos africanos escravizados e seus descendentes.
A grande contradição, contudo, é que a parcela de nossa população que mais trabalhou para engrandecer este país seja exatamente a parcela sob a qual recaem as piores mazelas de nossa sociedade.
O Movimento Negro vem denunciando as mais variadas práticas discriminatórias que violam os direitos elementares de cidadania desta metade da população brasileira: negros e negras.
A sociedade brasileira empurra este segmento da população para as piores condições de educação, de trabalho, de saúde, privação da terra, acesso à cultura, ao lazer, entre outras.
São muitos os estudos publicados sobre as condições da população negra no mercado de trabalho, realçando os lugares subalternos reservados aos negros e negras. Do mesmo modo, são vários os estudos que desmentem a tese de que o preconceito de classe é mais forte que o preconceito racial.
No texto “A mobilidade Social dos Negros Brasileiros”, o autor, Rafael Guerreiro Osório, afirma que estudos mais recentes comprovam que, ainda que se compararem brancos e negros de mesmo nível socioeconômico, persistem desigualdades entre eles inatribuivéis a outras fontes que não o racismo.
A ideologia racista leva à reprodução, na sucessão das gerações e ao longo do ciclo da vida individual, do confinamento dos negros aos escalões inferiores da estrutura social, por intermédio da discriminação de ordens distintas, explícitas, veladas ou institucionais.
Para exemplificar o quadro atual de mobilidade social revelado pelos estudos relatados, peguemos duas famílias, uma branca e uma negra, com exatamente a mesma condição social. Se ambas vêm de uma condição social inferior, o filho da família negra terá mais dificuldades de ascensão na estrutura social. Se estas famílias, por sua vez, pertencerem a um grupo social superior, é certo que o filho da família negra terá maior risco de descender na hierarquia social. Tal situação ocorrerá mesmo se esses dois filhos hipotéticos atingirem o mesmo nível educacional.
Refletir sobre os aspectos raciais da sociedade brasileira é uma tarefa permanente. Daí, a importância do 13 de maio como o Dia Nacional de Luta contra o Racismo. O Movimento Negro cresceu, alcançou conquistas e consolidou mudanças em nossa cultura de luta. A reivindicação do dia 13 de Maio como Dia Nacional de Luta contra o Racismo é uma dessas vitórias. Hoje, a idéia da consagração da Princesa Isabel como "libertadora" dos escravos soa como "piada de mau gosto".
Neste ano de 2008, o simbolismo é ainda maior. Serão completados 120 anos desde a oficialização do fim da escravidão. Entretanto, negros e negras permanecem alijados de direitos sociais, vitimadas pelo preconceito e pelo racismo.
Apesar de todas essas mazelas, permanecemos de pé, permanecemos em estado de ação, sonhador e com sede de protagonismo. Neste aniversário da "NÃO- LIBERDADE", nosso grito vai soar e de punhos cerrados seguiremos em luta.


Mônica da Silva é Presidente do Instituto do Negro (Zimbauê), uma das ONGs integrantes do Galpão Cultural.

Pra você

SUELY DA SILVA LIMA

Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém.
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
E ter paciência para que a vida faça o resto...

Shakespeare

Escrevo para você, que não me enxerga. Escrevo com o coração carregado de sentimentos confusos. Latentes. Doloridos. Marcantes. Escrevo, também, para aqueles que, como eu, sofrem e vivem por amor, a poesia paradoxal mais que perfeita já criada.
Escrevo para você, que tem em seu peito um sentimento deliciosamente cáustico. Você sabe que estou falando do pior e ao mesmo tempo mais gostoso amor: o amor não correspondido, ou melhor, o amor não revelado. Aquele que te queima de frio no calor escaldante. Aquele que te faz suar a zero grau. Aquele que te faz perder o sono, que tira sua concentração. Aquele que te faz esquecer de respirar, de comer, de viver. Aquele amor que torna os seus dias monocromáticos. Aquele desgraçado amor sem o qual você não pode viver. Aquele que dói no âmago, que te faz perder o pino, o centro, o rumo. Aquele que te faz rir de tristeza e chorar de alegria. Amor shakespeariano. Trágico. Impossível.
Amor torturante que mata e alimenta a alma. Neste amor tudo é uma expectativa: a espera, a chegada, a despedida, a troca de olhares, o aperto de mão. O simples ensaio de um sorriso soa como gargalhada aos ouvidos de quem ama. Amor, amor! Como viver sem? Como conviver com? Ser ou não ser correspondido? Essa é a questão! Amor louco, trágico, quase ilegal. É como se fossemos ladrões de sentimento, sempre à espreita, furtando momentos, olhares, gestos. Registrando clandestinamente, no coração, cada meneio de cabeça ou desvio de olhar. Cada aceno, cada desencontro.
Ah ! O amor, como diria o poeta ou profeta, não sei, é fogo que arde sem se ver. E como dói essa ferida! Aberta, exposta, sujeita às dores e às curas do mundo.
Amar, sofrer, nascer, morrer: onde começa um e termina outro?

Suely da Silva Lima é aluna de Jornalismo da Fema

Ah! Essa mulher...


JAQUELINE BUENO


Este é o mês daquelas mulheres faceiras, ousadas, corujas, faladas. Daquelas que acordam cedo e beijam a testa, que dizem bom dia e não cobram nada. De outras tantas que abraçam e rolam na grama, que faz o feijão cheirar lá da ponta.
São curandeiras, bagunceiras, empregadas, amadas. É gente e, principalmente, adorada e clemente.
Oh, minha mãe! Qual homenagem seria melhor para alguém que me suportou durante oito ou nove meses, para alguém que aturou meus choros para não ir ao banho e esperou acordada até a minha volta. Lembro-me dos telefonemas, dos conselhos e dos puxões de orelha.
Várias vezes sentamo-nos lado a lado para contar como tinha sido o nosso dia, mas você não conseguia ao menos dizer que tinha trabalhado bem. Só eu queria falar e você nunca negou escutar e sempre ansiou ouvir mais. Ou então, quando conseguia proferir umas únicas palavras, eu adormecia recostada no seu ombro.
Fui cruel, insensata e também incompreensível. Pensava que mãe era para fazer tudo, dar carinho, atenção, roupa lavada, comida farta e momentos de lazer. Reconheço meu erro, porque descobri que mãe é que merece tudo isso e um “eu te amo”, no mínimo, dez vezes ao dia.
Faz tempo que não nos vemos. Olho o nosso retrato naquele parque e lembro-me do último dia em que estivemos juntas, conversando sobre como era ser mãe e me dá uma sensação de nostalgia.
Só então, depois de sua partida, eu percebi que o aperto no peito não era somente pela sua falta, mas pela quantidade de sentimentos não demonstrados.
Adeus rainha, amiga, inigualável criatura humana. Jamais me esquecerei que um dia tive você. Mulher jubilosa, aventureira e minha mãe.

Jaqueline Bueno é aluna de Jornalismo da Fema

Amizade


MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA


Penso que o livro de Antoine de Saint-Exupéry “O PEQUENO PRÍNCIPE”, seja um tratado literal sobre a amizade. Essa obra universal narra à história de um aviador que cai no deserto do Sahara e conhece um Pequeno Príncipe de um minúsculo Planeta.
À parte do diálogo com a raposa a meu ver é a síntese de um tratado sobre amizade. A raposa aparece num lindo jardim florido. O menino a convida para brincar. A raposa exclama, não posso brincar com você, pois ainda não me cativou! E prossegue, ser cativado é ser único um para o outro. Para me cativar, você deve sempre chegar no horário combinado, pois, se forem chegar às quatro as três eu sinto animado e começo a preparar o meu coração para te receber, diz a raposa. É assim que esperamos nossos amigos e amigas, com o coração aberto para recebê-lo.
Num determinado momento da trama eles se despedem: O príncipe disse: Você quis que eu a cativasse, agora estou indo embora e você esta chateadas! Não achas que foi perda de tempo pergunta o principezinho? Não diz raposa, você me fez sentir muito importante. Alguns amigos e amigas nos cativam depois parte. É, mas depois de tudo isso agora me sinto responsável por você diz o menino. Isso é natural que aconteça enfatiza a raposa, “Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativas”. Para mim essa é a regra de ouro das amizades, a responsabilidade pelos nossos amigos e amigas é ponto de encontro de uma profunda e bela amizade. Eles encerram a cena com a raposa trazendo-lhe um presente, um segredo, entregando-o um papel escrito “Só se vê com clareza com o coração. O essencial é invisível para os olhos”, que a meu ver é o fio de ouro que deve perpassar todas as amizades, precisamos conhecer com o coração, ou seja, o interior das pessoas, pois o exterior é muito manipulável, fácil de camuflar, retocar, mas o interior é identidade de cada ser humano, e é algo muito pessoal.
Na verdade essa obra é um grito para dizer que o ser humano não tem tempo para conhecer o outro, sempre empenhado nos seus afazeres, nós encontramos tudo pronto, compramos desde feijão cozido a trabalho pela internet, mas como diz Saint-Exupéry. “Como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos”, e conseqüentemente boas amizades, pois para ser e ter um grande amigo é preciso cativar e, CATIVAR É AMAR. Sabe por que é difícil exercitar a arte do amor? Porque nos tornamos totalmente responsáveis por aqueles e aquelas que cativamos.
Sugeri a meus amigos e amigas que lessem à obra “O Pequeno Príncipe” ou ao menos assistissem ao filme. Embora não precisem, pois já me senti cativado por eles e elas, e sinto-me responsável pelos mesmos e percebo que a reciprocidade é a mesma. Não poderia terminar esse artigo sem citar os nomes dos meus amigos Rafael, Diego, Edi ... e amigas Amanda, Rosangela, Liziane, Ana Paula e minha namorada e amiga Roseli ....
Precisamos resgatar e valorizar as sinceras e profundas amizades. Por que “Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativas”.


Márcio Alexandre da Silva é formado em Filosofia.

Relicários e ourives do tempo

ALINE GIANAZZI

"Nada consigo fazer.
Quando a saudade aperta.
Foge-me a inspiração.
Sinto a alma deserta.
Um vazio se faz em meu peito.
E de fato eu sinto.
Em meu peito um vazio(...).
E com o tempo.
Essa imensa saudade que sinto.
Se esvai".

Peito vazio. Cartola

Tenho cinco anos. Meus cabelos ainda são loiros. O horário é por volta do meio-dia. Minha mãe me deixa na casa azul e branca, da rua Benedito Spinardi. Sou uma criança tão elétrica que nenhuma babá quer ficar comigo. O encargo, então, foi passado pra alguém que tivesse toda a paciência do mundo e que de quebra me amasse: dona Anita Gianazzi, minha vó.
Estamos só nós duas na cozinha. Eu estou sentada em uma cadeira ao lado da pia enquanto ela termina de lavar a louça. Depois de tudo terminado, ela me convida pra uma soneca. Com muita má vontade, aceito. Primeiro, deito na cama de solteiro da minha tia. Depois, tento acordá-la colocando o braço da minha boneca na hélice do ventilador. Ela continua com os olhos fechados. Então, pulo para sua cama, tento enlaçar sua barriga, mas meus braços são curtos demais. Subo um pouco, chego perto da sua nuca e respiro fundo o cheiro dos seus cabelos compridos e brancos. Meus lábios tocam o seu ouvido e eu pergunto baixinho: "vovó, a senhora está dormindo?", ela não abre os olhos, mas com minha mãozinha em sua barriga eu sinto que está rindo. De repente, se vira pra mim, cola sua testa na minha e olha fundo nos meus olhos. Beija-me muito. Eram muitos daqueles beijos gostosos. Durmo abraçada ao seu braço, tão molinho da idade.
Tenho 16 anos e estou na casa azul e branca novamente. Dessa vez, quem cuida sou eu. Deito no sofá da sala de estar, com a cabeça em seu colo. Sinto sua mão, que mesmo tendo trabalhado tanto é de uma maciez incomparável, se perder nos meus cabelos, agora castanhos. Conversamos. Em algum momento, como num passe de mágica, ela dobra nossa vida e nos transporta pra algum lugar do passado. Como em um cinema, vejo meu bisavô desbravar matas para o plantio, vejo a própria Ana, lavando roupa na mina, ajudando sua mãe a cuidar das tantas outras crianças que nasceram depois dela. Vejo meu avô, José, apitando um jogo de futebol, a chegada em Assis com meu tio Nino nos braços. Ela me leva a assistir suas memórias, me faz reviver aquilo que causava saudade e dor e me faz conhecer um pouco da minha história e de mim mesma.
Tenho 17 anos. Vovó está sentada na minha cama, olhando no computador as fotos que nós tiramos do seu jardim. Ela diz que pra ela não há nada de mais bonito. É ano novo. Estamos todos comemorando, e eu pergunto "vó, quem é a sua neta mais bonita", ela cochicha nos meus ouvidos "você", "e quem é a neta que a senhora mais ama?", ela abre o sorriso maior do mundo, e repete "você".
Tenho 19 anos, e o tempo é o agora. Estou sentada na sala de tv da casa azul e branca, olhando vovó enquanto ela cochila. Já estava trocando o dia pela noite. Quando seu pescoço cai, ela acorda. Olha pros meus olhos assustados e ri. "Ah, minha branquela, é você que está aí", e me puxa pra um beijo.
A morte é tão recente que parece mentira. A dor me fez descobrir que sou sim, deveras egoísta. Não é só o meu amor por ela que a distância transforma em sofrimento, mas o amor que ela dedicou a mim. Foi pouco tempo, vovó. 19 anos é pouco pra experiência maravilhosa que era viver com a senhora. Confesso que queria mais. Mais dos seus beijos, dos seus abraços, do cheiro dos seus cabelos, das nossas conversas... Só espero que o sofrimento seja pra mim o que foi pra senhora: um ourives. E que um dia, quem sabe, eu me torne uma jóia quase tão preciosa quanto a senhora foi.

Aline Gianazzi é aluna de Jornalismo da Fema

Terra e Céus


LÍVIA PELLEGRINI
O mundo todo embalando-te. Movimento sobre trilhos, sob a noite. O chão, nos teus olhos, dá a luz. Estação: ASSIS cidade maldita*. Esfumaçando lembranças vens. Mala gasta guarda a correspondência. Fostes enviado pelo remetente. Prazo máximo: o crepúsculo. Avenida Rui Barbosa café no Bar do Raul. Teus passos à beira da praça da Catedral: grupo amador encena “V.O. Samba e Fé”. Convite ao caminho que não chegou ao fim. Praça da Bandeira - a Marechal Mercado Municipal. Encontras: Café Alvorada. No balcão, o destinatário. Olhar antigo, abarca-dor lê a carta.............e consente: a maldição acabou. Pés descalços, dança profana, olhos nos teus: largueza em só ser. O vermelho-rosa-lilás desnuda a lua, apito ecoando, mala-do-lado-esquerdo. O trem que chega é o mesmo trem da partida, coração marcado, vontade de chorar.

*referência à composição de Ruy Sousa Dias e Titas.

Lívia Pellegrini é arte-educadora e psicodramatista

Tributo ao Helinho

CARLOS HERNANDES

nasceu de familia humilde
numa cidade pequena
por ser o menor da estirpe
dele todos tinham pena
mas o menino foi firme
e transformou aquela cena

desde cedo se mostrou
um rapaz inconformado
e logo já se juntou
aos menos afortunados
assim sendo ombreou
tendo os pobres ao seu lado

com jeito de vencedor
estudou, virou bancario
nunca quis ser um doutor
fez seu próprio itinerário
para esse lutador
trabalho nunca foi páreo
mas para aquele que luta
a vida sempre sorri
usando da força bruta
diz “valeu o que sofri”
hoje, vencida a labuta
é venerado em maracaí

do destino traiçoeiro
o jovem fez o que quis
aquele ex-jardineiro
hoje é um homem feliz
tem uma mulher tão bela
que até parece uma atriz

com muita sabedoria
mas tambem muito recato
é o rei da alegria
não se nega, é um fato
dia e noite, noite e dia
ele vive o sindicato