quarta-feira, 23 de abril de 2008

Monteiro Lobato polêmico nos jornais


WENDER URIAS DA CRUZ

O reconhecimento atingido por Lobato como grande expoente da literatura infantil não pode minimizar sua participação em outras áreas. Seja como autor de contos ou cronista, o criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo teve uma vida relacionada a diversas polêmicas. Envolvendo-se em causas políticas, em prol da liberdade de expressão, nacionalização do petróleo, modernização do parque editorial, conflitos literários e de movimentos estéticos. Mas esse conjunto de embates ocorreu desde o surgimento de Lobato na intelectualidade brasileira. A porta de entrada do autor como referência intelectual foi os jornais.
Descendente da oligarquia cafeeira, Lobato bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais e trabalhou como promotor público na Comarca de Areias até assumir os patrimônios da família após a morte do avô. Depois da tentativa de modernizar a antiga fazenda, Monteiro Lobato abandona a cultura agrícola em busca da profissionalização intelectual, tornando-se articulista do “O Estado de S. Paulo” e posteriormente editor da “Revista do Brasil”.
O estabelecimento de Lobato como editor-proprietário de uma grande revista literária de alcance nacional, articulista e crítico de arte num jornal de expressão como “O Estado de S. Paulo” só efetivou-se após a publicação de dois artigos neste mesmo jornal, em fins de 1914. Os textos denominados “Uma Velha Praga” e “Urupês” apresentam uma concepção crítica e feroz sobre o homem do campo.

O caboclo romantizado por vários escritores torna-se paulatinamente a representação do legítimo brasileiro. Pela elite paulista o “caboclo” começa a ser dimensionado como herdeiro dos “bandeirantes” e o motivo congênito do vigor econômico e político do paulista. Foi essa representação heróica que Lobato combateu em seus dois artigos que marcaram sua estréia no cenário intelectual nacional.
Apesar de “Uma Velha Praga” dar notoriedade a Lobato, sendo publicado em mais de 60 jornais e revistas da época, este não foi seu primeiro texto em periódicos, pois o escritor teve significativa produção de crônicas e artigos anteriores à 1914. Essa produção foi publicada em semanários de menor circulação como jornais universitários e de pequenas cidades utilizando pseudônimos ou mantendo o anonimato. Desses jornais destacamos: “Minarete” e “A Lua”. Lobato também foi colaborador de periódicos maiores, sendo articulista da “Tribuna de Santos”, “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro e em 1909 participou na “Fon-Fon” com desenhos e caricaturas e no “Estado de S. Paulo” com traduções do “Weekly Times” (jornal inglês).
Mesmo conhecendo vários proprietários de jornais e contribuindo freqüentemente com seus textos em jornais de menor tiragem, Lobato envia seu artigo “Uma Velha Praga” para “O Estado de S. Paulo”. Periódico de ampla circulação, considerado pela elite oligárquica da época como “liberal” e o principal núcleo nacionalista de São Paulo. Ainda que enviado para a seção de “Reclamações” o artigo foi publicado no interior do jornal, recebendo com isso maior visibilidade.
É importante salientar que a escolha do “Estado de S. Paulo” é proposital, pois Lobato almejava entrar no espaço da elite intelectual em grande estilo e com repercussão nacional, como ele mesmo escreveu em cartas: “Ou dou um dia coisa que preste, que esborrache o indígena, ou não dou coisa nenhuma”. Assim como: “Ou entro e racho, ou não entro nunca. A coisa há de cair na taba como um bólide”.
O impacto ocasionado por “Uma Velha Praga” e “Urupês” no meio intelectual e político notabilizou seu autor, dando-lhe credibilidade para apresentar-se como referência no debate de temas nacionais. Nestes artigos, principalmente “Urupês”, consolida-se a representação do Jeca Tatu, um anti-herói da literatura cabocla, que até então pintava o homem rural com ares ingênuos e nobres. Para ocasionar tamanho alvoroço Lobato utilizou da sátira como recurso lingüístico e literário. O riso e a ironia são instrumentos de depreciação do campesino.

A derrisão é um recurso utilizado recorrentemente por Lobato. Ao escrever suas críticas às exposições artísticas e produções literárias, Lobato apresenta uma linguagem feroz e repleta de recursos satíricos e irônicos para atacar os movimentos estéticos denominados de românticos, assim como o modernismo incipiente, uma demonstração disso é a polêmica criada com a vernissage de Anita Malfatti.
Foi como articulista polêmico e escritor de esmero que Monteiro Lobato ficou conhecido nos jornais de sua época. É como ícone da literatura infantil brasileira que é relembrado hoje. Múltiplas faces de um escritor profícuo e instigante, mesmo decorrido 60 anos de sua morte.

Wender Urias da Cruz, formado em história e psicologia, integrante da Circus e do Teatro Fabrincantes.

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