quarta-feira, 23 de abril de 2008

O presente de Lobato: fantasia embrulhada em páginas de livros


MARIANA DE GÊNOVA MANFIO
O livro é um objeto misterioso. Nele cabem histórias trágicas, emocionantes, tristes, cômicas... tudo em simples, mas mágicas, folhas de papel com letrinhas impressas à tinta. Podemos dizer que o livro traz poder, libertação, porque traz o conhecimento e a possibilidade de amadurecer idéias ou mesmo transformá-las.
É por este viés que Monteiro Lobato aposta nos textos infantis, com o intuito de formar crianças críticas, independentes e conscientes de seu papel em sociedade.
O escritor de Reinações de Narizinho afirmou, em carta, que "Assim como é de cedo que se torce o pepino, também é trabalhando a criança que se consegue boa safra de adultos." Nesse sentido, o livro infantil ganha espaço especial na tarefa de melhorar o futuro de um povo.
Em suas obras infantis, Lobato procurava tratar de assuntos sérios, considerados “assuntos de adulto”, como a burocracia estatal (Caçadas de Pedrinho, 1933), a ineficiência da instituição escolar (Emília no País da Gramática,1934), advogando o rompimento com padrões e normas inculcados pela escola e pela religião católica (A Chave do Tamanho, 1942). Porém, não discutia tais temas de maneira “científica”, “adulta”, mesclava-os a muitas doses de fantasia e imaginação, uma forma de amenizar os temas econômicos, políticos e polêmicos, através do elemento mágico.
Fantasia é a base da construção de suas histórias. Assim como Branca de Neve ressuscita a partir do beijo do príncipe encantado ou o caçador resgata chapeuzinho vermelho e sua avó, vivas, da barriga do lobo, Narizinho não se afoga no Reino das Águas Claras, e o pó-de-pirlimpimpim transporta seus usuários através do tempo e do espaço.
Lobato defende este mundo “exclusivamente infantil” em suas obras, argumentando, através de Narizinho, que “...se as coisas do Mundo da Fábula não existem, então também não existem nem Deus, nem a Justiça, nem a Bondade, nem a Civilização nem todas as coisas abstratas.”
Essa defesa de que o maravilhoso é real e existe também aparece na correspondência entre Lobato e seus leitores infantis. Algumas cartas ganham ingredientes de ficção; o escritor manda recados de Emília, Narizinho, Pedrinho e toda a turma do Sítio de Picapau Amarelo, quando responde a carta de seus leitores; cria histórias; tenta convencer as crianças de que o sítio de Picapau Amarelo existe.
Em uma das cartas, uma criança escreve que achava graça nos livros de Lobato, e que agora reflete profundamente sobre o que ele diz. Comenta ainda que no faz-de-conta não há absurdo e sim liberdade; como se o ser humano, através do faz-de-conta, desejasse ser livre no pensamento.
É por meio de cartas como esta que se observa como o livro tem caráter libertador. É ambiente propício e adequado para se aprender, se desenvolver, imaginar, criar, sonhar. Por isso, nenhum sítio fisicamente real poderia expressar os sentimentos que as aventuras descritas nos livros de Lobato despertam nos leitores. Se descobrissem a localização do Picapau Amarelo e por lá todos fizessem um passeio, as imagens construídas pelo trabalho minucioso de Lobato na memória e na imaginação dos leitores se dissolveriam, já que o que há de mais sublime na leitura de um livro é o fato de que cada leitor atribui um sentido único, particular, carregado de vivências e emoções que cada um experimentou ao longo da vida.
A necessidade que a fantasia tem em nossa vida ultrapassa a questão da idade, é algo essencial para a sobrevivência do ser humano. Assim, diante de tão importante função, devemos concordar com Lobato quando propõe em uma de suas obras que “O Mundo das Maravilhas é velhíssimo. Começou a existir quando nasceu a primeira criança e há de existir enquanto houver um velho sobre a terra.”

Mariana de Gênova Manfio é moradora de Cândido Mota e Mestre em Teoria e História Literária (Unicamp)


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