sexta-feira, 4 de abril de 2008

O buraco do palhaço...é mais embaixo


MANOELA MARIA VALÉRIO

Um dia desses, ele, o artista em sua fome engraçada, retomou o fio da vertigem para que pudesse, a concretude fugidia de sua existência, ser ouvida. Tantas coisas parecem querer dizer e este silêncio que povoa... Os espetáculos continuam e uivam aqueles tais seres de purpurina. Chegam e percorrem sonhos, pensamentos e experimentações. Dissolvem-se em noites sob a lona de telhas, de pano, de estrelas, ou o que for... desmanchados de si são artistas e público no ato que não se repete com a estranha troca de “exatamente o quê?”....alegria de um bom encontro.
Bom? Também. Quem sabe?....O que se sabe é que naquele dia o tal palhaço emergiu no pedaço aberto da cidade fechada.
Sentados em forma de meia lua, à beira mar, ou na ventania do sertão, o público cheirava terra, tijolos e pedras mofadas. Era tamanha a intensa expectativa daqueles segundos incontáveis que precediam a entrada do artista... Ufa! Penetrou!
O picadeiro aos poucos era todo seu, preenchido por cada gesto, uma energia peculiar fazia a ronda. Seu olhar era de quem inventava conhecer cada um que ali estava. Talvez conhecesse, talvez um faz-de-conta, mas pareceu por ora um amigo de longa data com quem se conversa coisas bobas e inúteis, escancara nojos e esparrama na cara tortas verdades, tortas...transmutação de previsíveis valores. O palhaço, sem diminutivos, pegou criança e a tratou com jeito, se duvidar, constrangedor... não fez nada belo para receber aplausos de “senhores cidadãos”, não a presenteou com o óbvio bonitinho. Deu o que ela não pediu, mas o que a vida lhe ofertaria talvez mais tarde. Susto, queda! “É para saberes que nem sempre temos o que queremos...”. Escracha com risada demoníaca!
Pegou homem grande, todos de quatro, deixou-o bobo, nu de formas, virou-o do avesso e virou homem, “un poquito”.
Figurino de colorido inusitado, nariz preto, traços rotos e negros no rosto, horroroso o cara mais lindo. Pediu com tanta atitude a presença das forças que até São Pedro parou de chorar para ver no dito acontecido, da cidade inominável, à beira mar sertanejo, aquele palhaço, feito de matéria esquisita, de palha, de aço... dali, dos buracos, terras e partes de baixo.

Manoela Maria Valério, integra a Equipe CIRCUS e realizou mestrado em Psicologia na Universidade Federal Fluminense RJ, com o tema das artes circenses.


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